sexta-feira, dezembro 26, 2003

Ocidente-se - “Zen fascism will come to you”

Talvez não exista constante maior no cotidiano urbano do que a neurose. Penso e vivo na cidade, logo sou neurótico. Somos soterrados por informações, por padrões, por produtos... por qualquer coisa, mas principalmente por algo que é intransferível: responsabilidades. Temos responsabilidades demais: carreira, estudo, família, tradições. Com as responsabilidades vêm as cobranças, e quando não são as cobranças são as frustrações que vêm! As frustrações e as angústias giram em torno desse homem urbano atormentado em uma espiral de dor e desespero que o levam a um ciclo de ansiedade e depressão alternadas.

Acuado, o homem ocidental lança mão das mais diversas técnicas de tratamento de saúde vindos do oriente: acumpuntura, tai chi chuan, shiatsu, Nationaro kido... Os povos do oriente nos deu muito mais do que pastel e brinquedinhos “Made in Taiwan”: nos presenteou os mais diversos métodos de solução de problemas de saúde. Erra quem pensa que se trata de charlatanice: a ciência acadêmica ocidental (leia-se “a ciência válida”) pode vislumbrar muitas comprovações da eficácia e da coerência de muitas dessas técnicas, sendo estas até alvos de estudos nos mais diversos centros de pesquisas tecnológicas.

O homem ocidental encontra solução para sua enxaqueca, para sua dor de coluna, para sua espinhela caída... mas no entanto encontra uma dúvida: “De onde vêm os seus males?” A resposta é muito simples: vêm dos seu modo de vida. Daí então a dúvida se torna mais complexa: “Se meus males vêm do meu modo de vida, como posso solucioná-los?” Muito simples, honolável asno: mude o seu modo de vida!

O homem ocidental então procura mudar o seu modo de viver para entrar colocar seu ser em harmonia com vibrações menos pesadas do que as que o cercam. O que faz o homem ocidental então? Ele vai a uma série de palestras com alguém que tem mais pêlos na cara do que sua mãe teve no escalpo durante sua vida inteira a procura de respostas. Não satisfeito o homem ocidental compra a caixa com os vídeos de reflexão, os livros com os ensinamentos milenares de algum guru de meia idade , o cd com sons de córregos e pássaros, a caixa com mais de 200 cristais para harmonizar seu lar e leva inteiramente grátis sem nenhum custo adicional um lindo mensageiro do vento em cristal feito artesanalmente por freiras cegas que vivem no sopé do Himalaia...

Depois de encontrada a paz, o homem ocidental se torna mais leve, mais harmonioso e mais sereno. Extasiado com a enorme paz que preenche seu interior (uia!), o homem ocidental se torna não mais apenas um seguidor (leia-se “consumidor”) mas um pregador (leia-se “representante”) das idéias (leia-se “produtos”) milenares que mudaram a sua vida e o seu jeito de ser e de encarar os problemas.

Nasce então um comportamento altamente alienado de “pseudo-iluminação”. O indivíduo consome uma filosofia e um arcabouço de pensamentos na forma de um produto pasteurizado que resume toda uma série de conhecimentos em uma lista de tópicos, de receitas espiritualóides e de regras aparentemente incoerentes. O indivíduo, maravilhado com um discurso pretensamente transcendentalista, passa a questionar de forma estúpida coisas que estão acima da sua consciência construída em palestras.

É uma situação triste: um ser humano que desesperado agarrou-se a algo vazio de conteúdo e não tem idéia da superficialidade que se mostra tão intrínseca à sua consciência. Se já não bastasse isso, este comportamento apresenta uma característica extremamente perigosa: é extremamente contagioso. A cada tempo vai se multiplicando esse tipo de problema, e a cada novo degrau o conteúdo é mais vazio e coptado.

O desespero levou o homem ocidental a procurar a filosofia oriental. Como se já não basta-se ele consumi-la como uma aspirina-espiritual, ele subverte seus estamentos e a transforma em algo com um código de barra em alguma estante do Wal-Mart. A maioria dessas pessoas não tiveram um contato mínimo com a filosofia ocidental... filosofia esta que construiu seu modo de vida. Por que este homem ocidental não procurou uma solução ocidental para o seu problema? “Muito simples, pequeno gafanhoto, este honolável homem ocidental é honolavelmente tonga!”

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