domingo, dezembro 27, 2009

Reflexões (a)temporais
O que uma mente doente de massa "m" pode pensar de estúpido dentro de uma variação de tempo ocioso ao quadrado

Estamos passando mais uma vez do ano 9 de uma década para o décimo e último período deste espaço de tempo. Mais uma vez os desavisados e necessitados de marcos comemoram o final dos anos 00 enquanto os puristas temporais ficam na ladainha tentando salvar mais uma década. As previsões de catástrofes não anunciam o próximo ano com visões de tragédias, mas sim dali a dois anos (pessoalmente espero que seja a última previsão de fim do mundo, apesar de imaginar que outras virão).

O fim do ano é um tempo de reflexão e promessas para muitos. Para mim é só mais uma prova da redundância de nossas existências. Trata-se de um espaço de tempo em que deixamos tudo para a última hora, evocamos um carinho burocrático em honra das pessoas próximas a nós, cumprimentamos pessoas como se déssemos bom dia a cavalo, nos empanturramos de comida jurando começarmos uma dieta. Somos os piores seres humanos do mundo como em qualquer dia. A diferença é que fazemos isso com um brilho esperançoso e tolo no olhar que só as propagandas da Casa Bahia poderiam fazer mais justiça.

Assim como Jim Morrison, eu acredito que o dia destrói a noite e as noites apenas dividem os dias. Nossa relação com o tempo é meio patética. Se você for pensar bem profundamente a divisão do tempo é apenas uma convenção. Não existe um relógio universal sobre nossas cabeças mostrando a hora certa assim como ninguém demarcou no céu as linhas imaginárias (o que eu acho uma idéia ótima). Posto desta forma, assim como os americanos e ingleses usam jardas e polegadas ao invés do sistema métrico, eu gostaria de saber porque não existem formas alternativas à sagrada trindade do segundo-minuto-hora?

Eu sei que eu estou procurando sarna para coçar e inventando problema para uma das poucas coisas melhor acertadas da humanidade. Mas o pensamento crítico que me estimularam nestes anos de educação formal se perverteu em uma demência crítica. E esta força me leva a perguntar: por que eu não posso justificar meus atrasos por um problema de conversão que (in)felizmente não existe? Sim, eu estou sendo egoísta, mas você não é quando pode?

Eu poderia muito bem, talvez, adotar o tal "tempo psicológico" como minha medida temporal. Sendo assim, eu utilizaria o próprio pensamento como uma unidade de tempo. O legal disso é que se você tem algo para fazer e se foca naquilo então para todos os efeitos o seu tempo está parado. Seria a morte do deadline. "Seu tempo para fazer isso acabou!". "Como assim? Eu ainda estou pensando nisso, seu trouxa! HA!". Outra conseqüência direta disso seria a literalidade da ofensa "lerdo".

A verdade é que isso já existe. Assim como a maioria das pessoas acredita em suas vidas como roteiros de cinema com trilha sonora, o tempo de suas vidas é bem psicológico. Na verdade o tempo destas é mais literário ou cinematográfico. São pessoas que falam em "cenas" ou "capítulos" da sua vida e não costumam ser muito interessantes. Seu domínio verbal estancou na primeira pessoa e a obra prima que é a vida destas pessoas é o único assunto do qual tratam. Sabe a frase "tenho medo de homens de um livro só"? Pois é, dá para ter uma noção de como elas são.

Só o enfado que é conversar com este tipo de gente dá uma noção do conflito que seria abolir a convensão do tempo. Mesmo que isso facilitasse a vida de pessoas que vivem expostas aos efeitos de jet lag, estaríamos colocando pêlos em ovo para depois cortá-los dando murro em ponta de faca. O tempo é o mesmo para todos e não precisamos de tabela de conversões para chegarmos atrasados ao cinema que marcamos com nossas namoradas ou adiantados em entrevistas de emprego. O tempo vai continuar sendo a pentelhação onipresente.

domingo, junho 21, 2009

Colocando os pingos em “pingüim”

O termo kitsch é uma coisa meio perigosa de se conceituar. Bastante conhecido e comentado, o kitsch é uma estética a grosso modo brega. A forma mais fácil de se entender o que é kitsch é só imaginar a casa de um cabelereiro suburbano. Imagine a quantidade de lembrancinhas trazidas pelas suas clientes de Guarapari a Las Vegas. Imagine agora a sala de estar das clientes dele. Junte tudo em uma sala rosa com o teto forrado de anjinhos pintados de dourado.

Não sei quando o termo nasceu, mas sempre imagino sua concepção. Acho que foi quando algum frankfurtiano exilado nos EUA dos anos 40 jantava na casa de seu orientando mais burro. Diabético, o emérito acadêmico se via obrigado a tomar uma limonada sem açúcar. Conversando com o pai de seu aluno, o teórico já não agüentava ouvir “mas vocês alemães isso. vocês alemães aquilo”. Enquanto isso a mãe do pupilo preparava um assado de porco. Judeu e temperamental, o acadêmico acabou surtando conceitualmente e criou o “kitsch”.

Essa semana fui posto pela primeira vez frente a uma definição acadêmica de kitsch. O kitsch possui como características a exuberância, a pretensão ao belo e a inadequação. Concordei em gênero, número e grau. No entanto, uma dúvida surgiu na minha cabeça.

O símbolo do kitsch é o pingüim de geladeira. Desde quando temos um primeiro contato com o termo aceitamos isso como uma fórmula de Física. Pingüim em cima da geladeira igual a kitsch para qualquer massa do pingüim, consumo de energia da geladeira ou coeficiente de elasticidade da dona da geladeira.

Ora, o pingüim de geladeira não é uma coisa exuberante. Um pavão de geladeira seria bem exuberante. A ave de porcelana também não parece ter maiores pretensões estéticas. Eternamente vestido em black-tie, o pingüim de geladeira é um artefato fadado à elegância. O que há de inadequado em um pingüim em cima da geladeira?

“Ora, o lugar do pingüim não é em cima da geladeira, mas dentro dela!”. Responde a razão. Apenas um esquimó coloca pingüins DENTRO da geladeira. Mesmo assim só antes de guardá-los para mais tarde fazer "pingüim à passarinho". Aliás, devido às baixíssimas temperaturas dos pólos eu duvido que um esquimó precise colocar um pingüim dentro da geladeira. Seguindo esta lógica, kitsch é colocar o pingüim dentro da geladeira. Não é só kitsch como meio estúpido. Um desperdício de energia que acelera o aquecimento global, degradando o habitat dessas aves.

Então Duchamp colocava o que ele quisesse em um museu para chamar de arte e quebrar os paradigmas da época. Mas a dona Maria americana (Mrs Mary) não pode colocar o pobre pingüim em cima da geladeira. “Tá fora do lugar!”. Então se eu roubar um Pollock e coloca-lo embaixo da minha cama ele vira kitsch? Se eu virar um ladrão à la Thomas Crowe e colocar as obras-primas da arte contemporânea embaixo da minha cama, isso faz de mim um gênio da arte ou do crime? (ou do mal? Bwa-hahahahaha!)

O que os teóricos não percebem são as leituras e intenções subliminares no posicionamento do pingüim em cima da geladeira. Ao contrário da maioria das aves, o macho dos pingüins é responsável por chocar os ovos da espécie. Este era o tipo de coisa que as donas de casa americanas eram expostas em almanaques de curiosidade.

E o que parecia ser apenas conhecimento banal para puro entretenimento ou artigo de citação em jantares com amigos na verdade foi o primeiro contato da dona-de-casa americana ("housewife") com uma perspectiva feminista. No final das contas, o pingüim em cima da geladeira simboliza o gérmen do feminismo. A mulher coloca na geladeira (berço da cerveja, o néctar-simbolo da masculinidade) o macho que toma conta das crianças. Quando chegava em casa e abria a geladeira, o homem não se dava conta do protesto velado da mulher. Bem como ela também. É tudo uma questão de inconsciente coletivo.

É de se estranhar tudo quando as coisas se tornam explícitas, não?

terça-feira, janeiro 06, 2009