domingo, dezembro 25, 2005

É DO BRASIL!

Levanto de manhã e vou tomar café na padaria. Depois de ter feito meu desjejum vou para o caixa exercer minha obrigação de consumidor quando me deparo com o jornal do dia. Na primeira página havia a chamada do caderno de cultura falando sobre o filme “Dois filhos de Francisco” estar sendo cotado para entrar na disputa de um Oscar.

Fecho os olhos e já posso imaginar. Quais serão as indicações? Só “Filme estrangeiro”? Quero me emocionar vendo Zezé di Camargo e Luciano cantando para David Lynch, Robert Zemecks e Robin Willians. Será para mim como uma pequena revanche pelas horas em que eu permaneci sentado suportando-os.

Quero a Björk entrando no teatro Kodak lado a lado à Zilu Camargo. Uma de cisne e a outra de ema. Quero vê-la nas festividades pedindo para os chefes de cozinha a receitas dos “biscoitinhos” e dos “cocretes”. Quero ver suas fotos na Caras ao lado de Meryl Streep e Meg Ryan.

Quero a voz de Galvão Bueno narrando cada movimento na platéia e quero Rubens Ewald Filho comentando prêmio a prêmio iniciando cada um de seus apontamentos com os dizeres “A regra é clara!”.

E quando o diretor de “Dois filhos de Francisco” subir para receber a estatueta da mão de Garth Brooks (ou do Willie Nelson) e falar que ele é brasileiro e não desiste nunca, quero o locutor global se esgoelando em um grito varonil: “É do Brasil!”. Quero ouvir a vizinhança soltando fogos, todo mundo andando com camisetas do filme no outro dia e a dupla goiana ser tida como ícone cult por estudantes de comunicação social de óculos de aros grossos e estantes com livros finos.

Quero ouvir algum “pretenso sensato” falando do valor da música sertaneja na cultura contemporânea. Quero bolsas de estudos sendo aprovadas para estudos sobre a relação entre a música sertaneja e a pós-modernidade. Quero os eruditos de CA falando da ousadia em se fazer um filme sobre a trajetória de uma dupla sertaneja (principalmente se o “catedrático” ignorar a existência de “Pela longa estrada da vida”, de Nelson Pereira dos Santos).

Quero o elenco, o diretor e a dupla sendo recepcionados por uma multidão na Esplanada. Quero-os em cima de um caminhão dos bombeiros levantando e beijando a estatueta. Quero Lula os condecorando cada um com uma medalha e o ministro rasta discursando falando sobre o do-in antropológico, o feng-shui semiótico e o nissin-miojo social.

Mas mais que tudo, quero todos aqueles que choraram por “Cidade de Deus” com seus fígados supurados pelo ódio e a indignação. Perguntando “Como pode?”, “Como é possível?”. Clamando por todos os diretores da Nouvelle Vague que já morreram. Rezando ao espírito de Pasolini que povoe o sono dos jurados do Oscar com pesadelos de coprofagia e sodomia.

Eu quero que “Dois Filhos de Francisco” ganhe o Oscar. Quero que todos os pretensos cinéfilos aprendam de fato o que é o Oscar. Quero que lembrem que “Forest Gump” ganhou o Oscar de Melhor Filme que deveria ter ido para “Pulp Fiction”, que a Globo reprisa todo final de ano “E o vento levou...” e não “Casablanca” e que Charlie Kaufmann só foi reconhecido com “Brilho eterno de uma mente sem lembrança” (que em termos de roteiro está bem aquém de “Adaptação”).).

Quero que “Dois filhos de Francisco” ganhe o Oscar. Para mim será como um tratamento de choque para que os cinéfilos brasileiros superem esse maldito trauma do Oscar. Sem nenhum heiki-estético...

quarta-feira, dezembro 21, 2005

Passagem non-stop para o inferno

Cena: Meu irmão de 4 anos brincando com a minha guitarra dois dias depois de ter estourado uma corda do instrumento e pintado em meus textos da faculdade!

"Pablo! Larga a minha guitarra!"
"Por que?" (na verdade, "Pu'quê?")
"Porque sim!" (agora eu entendo meus pais!)

O moleque abre o choro e grita:

"Papai Noel vai te bater!"
"Papai Noel morreu!"

segunda-feira, dezembro 05, 2005

Ensaio com pinta prepotente e título enorme para um homem comum (ou mais uma abobrinha com uma referência musical infame no título e dois títulos para dar um clima enigmático)

Um cara passa gritando pela T-9 comemorando o jogo do Goiás. O Corinthians foi campeão mesmo assim! Scheiss! E o saco é que eu invejo o desgraçado. Eu invejo um filho da mãe com resto de galinhada com piqui nos dentes.

Quando foi que começou? Não sei! Acho que foi aos 16? Putz, já tenho mais hora de showzinho que urubu de vôo. Putz, eu podia ter um diploma em engenharia! Eu podia ter barzinho aos domingos e um Gol para lavar no domingo de manhã! Encerar o carro e depois, cheirando como uma concessionária de carros semi-novos (um eufemismo nouveau riche para "usado") entrar com a Rider molhada pela porta da frente e acabar dando a volta na casa para não sujar o tapete comprado no cartão nas Casas Pernambucanas ("Parcelado, mas foi no cartão... não foi de carnezinho!").

Sentar na mesa tubular da cozinha e discutir a escalação do jogo. Falar que "no tempo do Ronca o time era melhor" e que "não se fazem mais carros como antigamente" e que "o primo do meu colega da firma tá investindo na criação de ornintorrincos". E o que tiver errado é culpa do governo.

"Governo? Eu tinha aprendido que a culpa é do sistema! Toda aula um professor de camiseta do Che Guevara falava que a culpa era do sistema!". Ninguém discute comigo. Eu sou formado em engenharia. Eles acham que eu sei de alguma coisa. Eu também acho!

A galinhada demora mais meia hora! Eu sento e tomo mais uma cerveja. Gelada! Abro uma lata de castanha de cajú! Podemos opinar sobre tudo sem receio que haja algum catedrático do assunto por perto. Não há críticos de arte sacra, aficcionados por orquídeas ou catedráticos em ginecologia angelical por perto! Podemos discutir sobre tudo! E nem há hostess, DJ`s, produtores, artistas plásticos ou webdesigners por perto. Nenhum desse povo que não contribui com o PIB do país. É um engenheiro (eu), um médico, um advogado e um corretor de imóveis tomando cerveja e falando à toa.

A galinhada saí! Todo mundo come. Os homens continuam papeado em voz alta enquanto as mulheres contam os pratos que comem (e o que as outras comem também). Depois tem pavê ("É pá vê ou pá cumê?") e cafezinho.

Assisto o jogo em casa porque da última vez que eu fui no "Serra" roubaram o som de um colega da firma. O Goiás ganha. Massa! Encho o lata e passo buzinando e correndo pela T9.

Mas eu estou aqui! O Corinthians ganhou o campeonato! Eu não queria ver o Corinthians ganhando! O meu time já tava fora do páreo para o título e a vaga da Sulamericana já tava garantida! Campeonato de ponto corrido é como cerveja sem álcool. Até no futebol os politicamente corretos se infiltraram. Malditos hippies.

Queria ser capaz de fazer algo realmente muito estúpido! E ser reconhecido pela minha estupidez! E ganhar dinheiro com isso! É isso o que eu queria agora! Sabe qual o nome disso? Isso se chama "realização pessoal". É o que um hippie chato consegue quando ganha milhões de dólares vendendo artesanato em uma praça! É o que um catedrático em comunicação ganha torturando seus alunos! É o que um ex-participante de reality show consegue quando ganha um talk show em um canal decadente.

Eu me contento com pouco! Basta eu ser... sei lá! Tendo cerveja de graça tá massa!

quarta-feira, novembro 16, 2005

Meu filme de terror favorito

Meu filme de terror favorito se chama "Alta Fidelidade".

O filme se resume, para mim, a um cara de trinta anos completamente imaturo que não sabe lidar com problemas como rejeição, frustração e todas as outras neuras inclusas no grande contrato que assinamos na porra do processo de reencarnação!

Sim! Eu acredito em reencarnação! Acredito que nossas almas vivem vindo e voltando através de sucessivas tentativas inúteis em se ter uma vida feliz e plena. As duas saídas para este ciclo são:

1) Transcedência Espiritual
2) Cinismo

(Eu optei pela segunda opção e tem dado bem certo, obrigado!)

Também acredito que exista todo um processo burocrático em torno do próprio processo de reencarnação. Você não entra direto no céu, mas sim acaba em uma sala de espera de paredes verde-água e cadeiras beges. Enquanto você espera chamarem a sua senha um alto-falante toca versões MIDI de Gershwin e Cole Porter. Se você for alguém espirituoso pode começar a assoviar "Stairway to heaven".

Quando eles te chamam eles perguntam o seu nome e seu R.E. (Registro Espiritual). Depois eles pedem o seu C.P.R.M. (Certidão de Pessoa Recentemente Morta) para poderem contabilizar suas milhagens cármicas. Se você passou a vida inteira empenhando-se para promover o bem e a paz possivelmente você poderá nascer em uma família aristocrática dinamarquesa com seu próprio castelo e uma porção de serviçais. Se você torturou psicológicamente seus entes mais queridos, bateu em criancinhas e matou pelo menos 1 (uma) pessoa durante a vida certamente não conseguirá nada melhor que ser o filho do meio de uma série de 12 em uma vila de algum país africano que esteja em uma guerra civil.

Seguindo está lógica: se você tiver uma vida medíocre? Se você não fizer nada por si mesmo e muito menos pelos outros à sua volta? Que tipo de vida você terá? Uma vida medíocre, mesquinha e tacanha. Provavelmente você será um frustrado que passa os dias fazendo listas de top 5 e masturbando-se sonoramente ouvindo bandas obscuras ou elegendo as grandes obviedades (só que com palavras difíceis para os outros não entenderem e você se sentir bem com isso).

No final você viverá em uma inércia astral. Sua alma trilhará um caminho que passa por dezenas de vidas todas medíocres e vazias. VOCÊ SERÁ UM ENTE ETERNAMENTE BABACA!

E é por isso que "Alta Fidelidade" é o meu filme de terror favorito! Ele realmente me faz sentir o medo em sua pior forma!

quinta-feira, outubro 13, 2005

F.Q.I.M.T.M.
(Frequently Questions I Make To Myself)


1.Por que você tem um blog?
( )Porque eu gosto de escrever
( )Porque eu gosto de escrever coisas engraçadas!
( )Porque eu gosto de escrever textos enormes que as pessoas não vão ter o mínimo saco para ler em um monitor!
( )Porque eu não tenho espaço em nenhum meio impresso!
( )Ah! Um dia eu não tinha nada para fazer aí eu fui lá e criei um blog!

2.Por que você faz jornalismo?
( )Sofro de Complexo de Clark Kent
( )Sofro de Complexo de Paulo Francis
( )Sofro de Complexo de Hunter S. Thompson
( )Sofro de Complexo de Inferioridade
( )Porque eu adoro mentira e erros gramaticais crassos!

3.Você acha que isso vai dar em algum lugar?
( )Desencana! Já estou longe demais pra voltar atrás!
( )Vai... em uma sala com ar condicionado aonde eu possa fumar e dar ordens para pessoas mais incompetentes que eu!
( )Vai... mas eu vou viver cercado por pessoas que eu com certeza não vou suportar!
( )Vai... eu só tenho que aprender a desviar de balas e escrever durante um bombardeio!
( )Eu só torço para não me tornar um velho de boteco que fica reclamando do governo!

4.O que você queria ser quando crescer quando você era criança?
( )Gangster
( )Assassino profissional
( )Detetive de filme noir
( )Trompetista de jazz que ferra com a garganta por conta de cigarro
( )Yupie ("We're talking about loooooooot's of million dollars!")

domingo, outubro 09, 2005

Como montar a pior locadora do mundo

Montar a pior locadora do mundo parece ser algo fácil. Basta você pensar em fazer tudo ao contrário de se montar a “melhor locadora do mundo” e você terá o resultado desejado. Mas a coisa não é tão simples assim. É preciso muito mais que um raciocínio lógico para se arquitetar a masmorra de cinéfilos perfeita.

Bem, e o que é essencial em uma locadora? Se você pensar bem uma locadora se resume a duas coisas: ao acervo e ao atendente. Se antes do Big Bang houvesse um monte de fitas VHS e DVD’s devidamente catalogados e organizados por um garoto que pairava no nada por entre os filmes então lá havia uma locadora. Logo você não precisará se preocupar em outros elementos em uma locadora além destes dois. É claro que no caso da pior locadora do mundo sempre haverá um lugar para uma maquina de Coca-cola que sempre engole o dinheiro do cliente ou lhe dá o refrigerante errado ou para prateleiras calculadas para que tenha que se ficar ajoelhado para procurar o filme desejado. Mas os dois elementos nos quais nos focaremos para fazer o pior possível serão o acervo e o atendente.

Inicialmente trataremos do acervo, que será em sua enorme maioria composto pelas fitas VHS mais mastigadas possíveis. Os poucos DVD’s da pior locadora do mundo são todos de zonas incompatíveis, preferencialmente do Sudeste Asiático, do Oriente Médio ou da África Setentrional (o que nos permite ainda termos nenhum filme em DVD com dublagem ou legenda em português). A disposição das fitas nas prateleiras será completamente aleatória, no entanto cada seção da locadora terá seu gênero escrito em letras garrafais. Comédias românticas serão encontradas nas seções de “Ação”, “Policial” e “Terror”. Dramas e filmes da Meryl Streep em geral poderão ser achados (ou de preferência não) no lugar de “Aventura” e no “Erótico”. Todos os filmes de Spielberg poderão ser encontrados na seção “Arte” e David Lynch estará na prateleira “Evangélicos” (entre Pasolini e Wes Craven). As únicas seções coerentes da pior locadora do mundo são as de Cinema Brasileiro (menos as pornochanchadas que se encontraram na seção “Infantil”) e de Documentário (composta por gravações caseiras do Globo Repórter).

Os filmes em qualquer locadora se dividem entre os lançamentos e os de catálogo. Na pior locadora do mundo esta divisão também é feita. Os lançamentos são aqueles filmes que você obviamente viu no cinema ou obviamente se negou a ver. Os catálogos são todos baseados no acervo das sessões vespertinas de filmes de emissoras como a TV Record, Bandeirantes e a Rede 21. Caixas vazias de filmes populares e memoráveis serão espalhadas pelas prateleiras com um eterno papelzinho escrito “LOCADO” para que o cliente sempre que possível se frustre.

O atendente da pior locadora do mundo pode ser de dois tipos: a “Anta” ou o “Sabichão”.Primeiramente trataremos sobre o do tipo “anta”. Obviamente se trata de um atendente que possui como principal característica uma sagaz capacidade de sempre fazer a coisa mais estúpida possível sempre que possível. Ele não conhece os diretores e sempre se confunde com o nome dos filmes. Se você pedir ao “Anta” que ele lhe traga “Clube da Luta” ele passará no mínimo quinze minutos andando pela loja e lhe trará “Clube dos Cafajestes”. Você repetirá “Não! Clube da Luta!”. Mais quinze minutos ele voltará com o sorriso de um atendente do Mc’Donalds com algum filme do Dolph Lundgreen com “luta” no nome. Você repete mais uma vez pacientemente “Clube da Luta!”. Meia hora depois o que ele lhe traz: a caixa vazia de “Clube da Luta” com a tirinha de cartolina escrita “LOCADO”.

O “Sabichão” é mais astuto que o “Anta”. Quando você perguntar por “Clube da Luta” ele lhe responderá “Ação” sem tirar os olhos de sua “Bravo!”. Depois de quarenta e cinco minutos de procura você virá até ele e perguntará mais uma vez pelo filme. Com um suspiro incomodado e um andar arrogante ele irá direto para a seção “Drama” e colocará o filme em suas mãos para que você mesmo veja a maldita tirinha escrita “LOCADO”. De volta para sua mesa ele pegará de volta sua revista e continuará a lê-la como um deus que espera as incômodas preces de seus pobres e ignorantes fiéis (também conhecidos como “clientes”). Não importa o filme que você escolher para ver, o “Sabichão” sempre lhe olhará com o desdém de quem já assistiu toda a filmografia de Trufault e do grupo Dziga Vertov. Para ele você é mais um reles espectador. Quando você entrar na onda do “Sabichão” e pegar um filme de algum país sem Pizza Hut ou água encanada ele virará para você e didadicamente lhe advertirá que “Este é um filme meio difícil!”.

Com aquele filme vindo dos confins da África ou de alguma das ex-repúblicas Soviéticas você volta para casa e vai assisti-lo em seu vídeo cassete. Quando termina de assistir pensa que poderia ter sido bem pior. Afinal, a fita poderia não estar tão mastigada.

domingo, outubro 02, 2005

Doutor
(Isto é um conto... é grande... 6 páginas em A4... ainda dá tempo de fechar o browser!)

Dr. Paulo Roberto estava sentado em sua cadeira esperando pelo próximo cliente. Mantinha sua cara apática. Era frio demais para ser um pediatra. A maçaneta da porta se mexe e a medida que a porta é aberta Dr. Paulo (era assim que gostava de ser chamado) vai mostrando sua fileira alinhada de dentes amarelos. Passava o dia inteiro atendendo crianças na clínica, quando saia fumava como “uma puta presa”.

Sua secretária aparece quando a porta já está meio aberta com um envelope pardo à mão. O sorriso desaparece como se murchasse. D. Clarisse, que era nova e bonita demais para ser chamada de dona, coloca o envelope na mesa de Dr. Paulo. Já era quinta-feira. Certamente estaria ocupado no sábado como sempre esteve nos últimos... quantos anos?

Abre o envelope e dá uma examinada no conteúdo. Fica curioso quanto a um sobrenome: Solera Andrada. Já ouvira antes este nome. Guarda o envelope na gaveta da mesa e pede para a secretária mandar entrar o próximo paciente. Examina alguns papéis sobre a mesa e quando a maçaneta se move infla os dentes mais uma vez olhando em direção à porta.

****

Dr. Paulo foi para Brasília logo após que Luísa morreu. Como toda cidade em formação, Brasília atraia dois tipos de pessoas: idiotas e vigaristas. Os primeiros vêm acreditando na esperança de que uma nova cidade seja melhor do que as já existentes. Os segundos vêm por conta dos primeiros.

O jovem Dr. Paulo não pertencia a nenhum dos dois tipos. Era um jovem pediatra que perdeu a esposa durante o parto de seu primeiro filho (que também morreu durante o processo). São Paulo lhe era acolhedora demais. Resolveu ir para Brasília e saciar todo o rancor misantrópico que se apossou de seu peito. Não poderia ter escolhido lugar melhor...

Talvez tenha sido o primeiro homem a se adaptar à frieza dos blocos residenciais, à surrealidade dos trajetos (era maravilhoso para ele que quase todo caminho era feito andando-se reto por uma quase-eternidade e então dando voltas, quase não se faz curvas em Brasília) e à setorização da cidade. As pessoas não lhe importavam. Para ele, Brasília era uma cidade recheada por serventes nortistas feios, novos-ricos mineiros cafonas e funcionários públicos cariocas folgados. Mas essas pessoas tinham filhos, esses filhos ficavam doentes e era isso que colocaria comida na sua mesa.

Trabalhava em uma clínica infantil na Asa Sul. Quando não estava no trabalho estava em algum cinema, ou no clube de tiro. Aprendeu a atirar no exército e tomou gosto pela coisa. Quando se casou vendeu o Taurus .38 que tinha, temia por algum acidente com a arma. Meses depois que se mudou para Brasília resolveu que voltaria a brincar em um stand de tiro. Comprou outro brinquedo igual ao que tinha.

Um dia, alguns anos depois de ter mudado para Brasília, à noite em casa o telefone tocou. Era sua antiga secretária falando de um militar que estava dando um estardalhaço na clínica por conta do filho. O oficial queria porque queria que o filho fosse atendido pelo Dr. Paulo Roberto. A secretária lhe dissera que o médico não atendia emergências. O militar se exaltou e começou o chilique.

Dr. Paulo disse que estaria lá o mais rápido possível. Vestiu sua roupa branca e foi até a clínica. Chegando inflou os dentes em um sorriso reto e alinhado. O homem, que estava às turras com a secretária, veio até o Dr.Paulo com uma expressão que o jovem doutor pensou que o atarracado oficial em um terno verde-oliva fosse cair aos seus pés e suplicar.

“O senhor é o Dr. Paulo Roberto Palhares? Por favor, me ajuda. Meu filho. Ele tava mexendo nas minhas coisas... em uma gaveta do escritório que tenho em casa... o menino achou uma caixa de balas de revolver... engoliu! Pelo amor de Deus, Dr. Paulo!” – o homem se despiu de toda sua pompa e lhe pedia quase de joelhos para fazer o seu trabalho.

Dr. Paulo se conteve para não rir. Lembrou-se de uma crônica de Stanislaw Ponte Preta. Acalmou o homem e foi examinar o garoto. Por mais catastrófico que fosse era um caso de profilaxia muito fácil. Foi passando o estetoscópio pelo abdômen do menino com um sorriso. Era um dos seus sorrisos sintéticos, mas esse tinha uma linha de sinceridade. “Não aconselho aponta-lo para alguém.”.

Depois de passar as recomendações para o pai do garoto o militar o cumprimentou efusivamente.

“Muito obrigado, Dr. Paulo. O senhor me foi recomendado pelo Major Padone. Ele disse que vocês são amigos de longa da data, que entraram juntos no exército. Falou que era excelente pediatra e que me atenderia com uma enorme cortesia. Não podia estar mais certo o major. Toma aqui... ele me pediu para lhe entregar o telefone novo dele e pediu para que o senhor ligasse!” – o homem continuou se derretendo em agradecimentos ao médico enquanto este tinha na cabeça um turbilhão de perguntas.

***

Sábado. Dr. Paulo vai ao tênis. Trocou o tiro pelo tênis. O cabelo grisalho bem cortado e o rosto vincado parecia ter sido colado em um corpo alto e em completa forma. Dr. Paulo aqui se torna simplesmente Paulo, mas isso não significa que ele tenha sua turma de amigos no tênis. Geralmente é sozinho e conversa quase apenas com o garoto que fica na quadra. É simpático com aqueles com quem joga, mas geralmente mantém uma distância segura.

Quando termina sua última partida do dia vai para o lobby que dá vista para a quadra. Ainda suado, pega da mochila o maço de Marlboro e pede para que o garçom lhe traga uma água de coco em um copo e um Ballantine’s. Adora fazer isso, sente-se como um herege que escreve blasfêmias no banco de uma igreja enquanto finge assistir a missa. Adora ainda mais fazer isso quando tem algum colega da clínica por perto, mas este não era o caso.

Fumando enquanto olha o Lago Paranoá e as casas do Lago Sul ao horizonte, percebe um grupo de garotas sentadas em uma mesa a uma certa distância da sua. Elas conversam entre si enquanto dão rápidas olhadas para ele. As olhadas se tornam mais indiscretas e os comentários um pouco mais exaltados. Paulo finge que não as vê. Quando a ebulição se torna mais notável resolve olhar na direção delas como que mostrando que sabe do que estão falando. As garotas se calam e ficam contidas, parecendo segurar uma gargalhada. Uma menina então se levanta e vai até a sua mesa.

“Com licença!” – a garota fala com um misto de timidez e graça. Paulo assenta com a cabeça e lança um dos seus sorrisos. – “Desculpe-nos, mas é que eu e minhas amigas estávamos nos perguntando quantos anos o senhor tem. Vimos o senhor jogar com o pai da Laurita e ele tem 45. Então a gente resolveu pegar uma aposta. Quem chegasse mais próxima à sua idade ganhava um almoço das outras. Quantos anos o senhor tem?”

A menina dá um sorriso maroto. Paulo dá um sorriso de verdade. Seus dentes se entreabrem e por entre eles sai uma gargalhada discreta.

“Aonde o almoço?” – pergunta sorrindo Paulo.

“No Mc’Donalds!” – a menina responde sorrindo ainda, agora meio sem jeito.

Paulo conta as garotas. São cinco incluindo a que foi falar com ele. Coloca a mão no bolso, tira a carteira, bota uma nota de cinqüenta na mesa e a arrasta em direção à garota.

“Isso dá para cada uma ganhar a aposta!” – Paulo volta a olhar o lago com um certo ar sublime, porém austero. A menina vai rindo até as amigas. Elas não acreditam e ficam alvoroçadas. Paulo se perde na vista e só sai do transe quando as cinco passam em fila ao seu lado olhando-o desde a mesa onde estavam sentadas.

“’brigada, tio! Tchau!” – uma por uma falam a mesma frase tocando-lhe o braço.

***

Dr. Paulo ligou para o telefone que o homem havia o dado. De fato, conheceu um Padone no exército e haviam sido amigos. No entanto, havia anos que não via Bernardo. Depois que saiu do exercito foi para a faculdade de medicina. O amigo seguiu carreira.

Encontraram-se poucas vezes desde então. Como ele poderia saber que Dr. Paulo morava em Brasília. A cidade ainda era pequena, provavelmente tenha visto o nome de Dr. Paulo na lista de médicos do convênio do exército. Ligou para o antigo amigo, que lhe atendeu de maneira festiva e marcou para se encontrarem no bar de um hotel.

Quando chegou ao encontro Padone estava sentado em uma mesa no canto, levantou-se e abriu os braços para um abraço. Dr. Paulo abraçou-lhe. Sentaram-se e começaram a conversar.

“E aí? Como anda?” – perguntou Padone

“Bem! E você?” – Paulo respondeu prontamente e de maneira simpática. Conversava naturalmente como não o fazia há anos. Talvez por ser essa a primeira vez que encontra alguém que fora seu amigo antes de mudar para Brasília.

“Bem! Bem! E a Laura?” – Padone perguntou com o mesmo sorriso.

“A Laura morreu... antes de eu mudar para cá!” – Paulo que exibia uma sombra de entusiasmo murchou-se e deu um gole no copo de whisky que o amigo havia pedido para ele. Padone também tomou do seu whisky.

“Poderia ser pior! Ela poderia ter vindo para cá. Aí ela ficaria louca... como qualquer pessoa normal!” – Padone tentou dissipar o desânimo do amigo com uma gargalhada sem graça. Paulo entendeu o amigo e riu também. Começaram a conversar relembrando o exército, traçando os caminhos que cada um fez e falando o quanto aquela cidade onde viviam era estranha. Em um certo ponto da conversa Padone tomou o resto do whisky do copo em um gole como quem se prepara para falar algo importante.

“Te perguntar, Paulo... você ainda atira como atirava no exército?”

***

Paulo está em casa. Já é de noite. Está vendo “A Dama de Shangai” na sala de TV olhando eventualmente para o relógio de maneira calma. Quando o filme acaba dá mais uma olhada no relógio e pensa em ver outro filme. Constata que não daria tempo e vai para o banho.

Sai do banho e vai para o quarto. Em cima da cama tudo arrumado: terno e calças pretas, uma camisa branca, uma gravata preta, meias pretas, sapatos pretos e um coldre com uma 9 mm automática com silenciador. Veste-se calmamente, vai ao banheiro para se pentear e escovar os dentes. Pega o envelope e dá uma revisada rápida. Parte para a garagem no subsolo do bloco, entra no carro e sai.

Vai para uma quadra residencial e começa a traçar uma estratégia para se aproximar do alvo. Observa o bloco a sua frente, posicionado no meio da quadra no sentido transversal aos outros blocos. As luzes estão todas apagadas. Dá mais algumas olhadas no conteúdo do envelope, sempre olhando a saída do bloco. O bloco não tem guarita e aparentemente não tem vigia. O carro do alvo está na garagem externa do bloco. Resolve sair e esperar entre as árvores mal iluminadas do lado oposto ao bloco, não muito longe do carro.

Um homem de cabelos castanhos e óculos sai do bloco. Aparenta ter entre 30 e 40 anos. A descrição coincide em cheio à do envelope, mas mesmo assim Paulo puxa do bolso a pequena foto que acompanhava o relatório. O homem está andando procurando a chave do carro entre o molho que carregava. Paulo vai atrás e quando o homem coloca a chave na porta do carro percebe a presença de Paulo.

“Silêncio, entra no carro! Fica frio!” - Paulo com a arma já apontada para o homem diz de maneira pausada e calma, como se estivesse fazendo de tudo para ser compreendido. O homem é tomado por um susto ao ver um homem pouco maior que ele, de aparência distinta e cabelos grisalhos lhe apontando uma arma. Paulo abre a porta de trás do carro e entra.

“Dirija! Siga minhas instruções e tudo será mais fácil!” – Paulo fala com o mesmo tom de voz de quando tem que aplicar uma injeção em seus pacientes. – “Vamos sair daqui!”

O homem dirige enquanto olha Paulo pelo retrovisor. Paulo olha-o direto nos olhos. Seus olhos cinzas parecem brilhar no escuro do banco traseiro. Paulo vai dando instruções para Paulo até chegarem ao estacionamento deserto de uma faculdade. Ordena que pare e acende um cigarro.

“Guilherme Solera Andrada, certo?” – Paulo pergunta de maneira trivial, com um toque simpático até.

“Sim!” – o homem responde prontamente como quem está sendo interrogado.

“Seu pai era milico, né?” – Paulo aumenta o tom simpático com um toque de irreverência discreta na voz.

“É!” – o homem responde meio confuso, meio surpreso.

“Quando o senhor tinha uns 6 anos o senhor mexeu nas coisas no escritório do seu pai. Encontrou uma caixa de balas e engoliu uma não?” – Paulo perguntou ainda irreverente e de maneira curiosa.

“Sim! Eu me lembro...” – o homem respondeu rindo confusamente. Parecia achar aquilo bizarro: meio atemorizante, meio engraçado. Sua fala foi silenciada por um tiro na nuca. Caiu em cima do volante de olhos fechados. O teto do carro estava todo sujo de sangue. Paulo deu uma revista em suas roupas para ver se estava sujo. Tudo limpo. Mesmo assim deu tapas no ombro como se estivesse tirando uma sujeira logo depois de colocar a arma no coldre. Saiu do carro e foi andando até onde havia deixado o seu carro.

sexta-feira, setembro 16, 2005

9 Canções?

O filme é bom. A idéia é interessante e foi bem levado. Poderia ter soado como uma espécie de "Alta Fidelidade" pervertidinho. Até que deu certo. Tem gente falando que é "O último tango em Paris" dos anos 2000. Faltou a manteiga... mas pelo menos não tem existencialismo...


Supergrass - Mary
Fiona Apple - Criminal
Nine Inch Nails - Perfect Drug
Black Rebel Motorcycle Club - Spread your love
Smashing Pumpkins - Love
Luscious Jackson - Rock Freak
Faith no more - Edge of the world
Stone Temple Pilots - Adhesive love
Hole - Malibu

segunda-feira, setembro 05, 2005

Ka-Boom!

Típico fim de noite de domingo. Estava voltando de um bar andando por entre as quadras da Asa Norte. Que horas são? Meia noite, meia noite e meia?

A SQN 208 é uma quadra de prédios altos e robustos. Um lugar simpático daqueles que provavelmente a maioria das pessoas dessa cidade vai acabar morando logo depois de se fixar nas tetas do funcionalismo público. Entre a SQN 208 e a 408 não existem 200 quadras, mas sim um posto de saúde com um espaço ao lado para estacionar (ou para as pessoas fazerem um retorno quando perceberem que se trata de uma quadra fechada).

Andando pela sombra avisto o posto de saúde. Passo pela construção cercada e quando estou já perto do átrio de asfalto... KA-BOOM! Uma explosão! Um carro prateado explode.

O fogo é laranja e possui um creptar insano. A onda de choque e de calor passa pelo meu corpo e me deixa catatônico. Minha cabeça tenta organizar uma espécie de lead estúpido para tentar compreender aquilo. Mas esse é o tipo de coisa para qual eu não estou preparado. Nunca um carro havia explodido do meu lado...

Fico fumando no parquinho da SQN 407 e resolvo voltar. Os bombeiros me falam que não houveram vítimas. Como o carro explodiu? Por que? Por quem? O pessoal da perícia ainda não havia chegado e eu tinha aula às 8...

Em casa eu penso: geralmente passo por dentro da quadra e não por entre as 200 e 400. Passando por dentro eu tenho o olhar dos seguranças para dar um socorro em caso de algum problema maior (não um problema tipo "um carro explodir do meu lado"). Geralmente eu passo pelo bloco detrás do posto de saúde para sair da quadra. E se?

Não... pfff...

segunda-feira, agosto 29, 2005

Good, good, good... Good vibrations!

Eu realmente me diverti muito no final de semana! Juro! Acordei com uma britadeira na cabeça numa segunda-feira e mesmo assim fui à aula.

Na faculdade eu fui "obrigado" a escrever um diálogo que não será interpretado por mim (que chato...hehehe!). Depois eu passo uma aula inteira sem sair da sala para fumar porque o assunto realmente me interessa.

Voltando para casa eu acho uma nota de 5 reais na calçada...

Quais as chances de uma entregadora de pizzas ninfomaníaca entregar um pedido errado (meia quatro queijos, meia mussarela de búfala e tomate seco) na minha casa ainda esta semana?

Se algo realmente muito ruim não me acontecer em 48 horas de onde vou tirar inspiração para escrever... não quero ser um autor de auto-ajuda!

quinta-feira, agosto 25, 2005

Black Sabbath - Paranoid

Finished with my woman
'Cause she couldn't help me with my mind
People think I'm insane
Because I am frowning all the time

All day long I think of things
But nothing seems to satisfy
Think I'll lose my mind
If I don't find something to pacify

Can you help me
Occupy my brain?
Oh yeah

I need someone to show me
The things in life that I can't find
I can't see the things that make true happiness
I must be blind

Make a joke and I will sigh
And you will laugh and I will cry
Happiness I cannot feel
And love to me us so unreal

And so as you hear these words
Telling you now of my state
I tell you to enjoy life
I wish I could but it's too late

quarta-feira, agosto 17, 2005

Porque homens são de Ramones e mulheres são de The Clash

Ramones foi a primeira banda punk. Tá bem, Malcolm Mc’laren trabalhou melhor a estética do movimento com o Sex Pistols, mas a primeira banda a proliferar o “três acordes” foi o Ramones. Um som retão, sem muita firula, simples e direto. As letras são estúpidas e por isso mesmo são boas. O negócio não era fazer um retrato complexo da psique do homem na pós-modernidade e a convergência disto tudo no espaço ocupado por uma azeitona em uma empada. Era simplesmente reclamar de ter que ir a aula, de não poder sair, de se viver na casa dos pais e de não se ter uma namorada.

The Clash é uma banda com um pouco mais de sofisticação. Eles se deram à ousadia de ter influências mais sincréticas. Transaram com o dub e até com o reggae. Botaram um conteúdo político, um estilo maior e até uma modestíssima dose de lirismo. Eles fizeram “Train in vain” e o mais próximo disso que o Ramones fez foi “I wanna be your boyfriend”.

Getting to the point...

Imagine que você conheça uma garota extremamente interessante e pense “Wow!”. Você se encontra basicamente afim dela e essas coisas. Imagine que ela seja uma garota que esteja na mesma sala que uma de suas aulas ou numa festa. Whatever! A garota está lá e você sente a necessidade de fazer um contato mínimo com ela.

Daí você a aponta e fala para o seu amigo que você está pensando em “chegar junto”. O que ele fala para você? “Chega lá!”. Basicamente é isso com algumas variações. Agora vamos pensar: o “chegar lá” vai do papinho pseudo-despretensioso até a cantada de caminhoneiro. “Chegar lá” é uma resposta válida, claro! Mas não é uma coisa assim... precisa.

Digamos que você faça a mesma coisa com uma amiga. A primeira coisa que ela vai fazer é uma série de perguntas que vão desde o “Você conhece ela?” até a mais obscura idiossincrasia que a garota possa apresentar. Sua amiga vai ao menos tentar tirar da sua boca um extenso relatório sobre a garota e se possível ela própria vai observa-la mais de perto. Quando ela tiver com tudo pronto ela vai virar para você e te entregar um diagnóstico completo. Do que dizer até (se bobear e tudo der certo) para que lugar você deve convidar a garota.

E é por estas e muitas outras que a coisa é mais ou menos assim: homens são de Ramones, mulheres são de The Clash. Sexismos completamente à parte.

PS.: Ainda existem as mulheres que estão mais para o King Crimson. Estas mulheres costumam ser muito mais intrincadas do que a grande maioria. Tal como o grupo praticamente pai do rock progressivo (uma vez que dele surgiram grandes expoentes do gênero) são cheias de viradas e mudanças de andamento. Nunca se pode prever o próximo compasso e são subjetivas demais. Mas isso é coisa para se discutir mais a fundo e eu tô com preguiça...

quarta-feira, agosto 10, 2005

Esses pequenos prazeres da vida desregrada...

Não há nada como o cigarro após a doação de sangue!

quarta-feira, agosto 03, 2005

Berserker/Pipe down
Trail of dead - Clair de Lune

E de repente você pisca os olhos e tudo mudou! Tudo mudou! Você não perdeu o equilíbrio e nem está mareado. Im Gegenteil, mein freund! Como se estivesse descendo o final de uma ladeira a velocidade começa a diminuir e tudo está mais estável! Estranhamente estável...

O primeiro impulso foi inexplicável. Você nem estava com os olhos fechados e nem se preocupou em cerrá-los. Talvez seja seu apetite pelo "vai dar errado". Ou sua falta de noção tão própria. A velocidade era muito rápida e o ar frio assoviava no seu ouvido avisando que a qualquer momento você teria de se esquivar de algo.

Esquivar? Humpt! Tá brincando? Que venga! De alguma maneira bizarra você se torna mais maleável e mais rígido ao mesmo tempo. Tudo parece estar em camêra lenta e você prevê tudo o que vem pela frente. O sangue flui normalmente e você não sente nenhuma palpitação. Seus movimentos são friamente calculados e seus olhos focam todos os pontos necessários.

Concentração? Caos é o seu combustível. As coisas vêm de repente e você as leva da maneira mais ágil possível.

Mas como? Você era aquele moleque estabanado e sem jeito! Vê-lo em ação era tão divertido como assistir as video-cassetadas. Era estúpido, desesperado e infantil.

Agora seus olhos sempre estão semi-cerrados e suas mãos nunca ficam à mostra. O que você tem aí? Qual o próximo movimento? Qual a próxima carta? A próxima bola na caçapa? Aonde você aprendeu a jogar? Com quem?

Você não sabe... porque se soubesse... seria uma queda certa! E nós não queremos isto. Queremos?

O que você vai fazer agora que você tem tudo nas mãos? Você acha que você ganhou, mas é agora que você tem o que perder. E é aí que você se dá mal, não é?

Agora que você é o dono da bola é que é a hora do drible. Você está bem longe do gol! Longe demais para poder pular e socar o ar. Perto demais para agachar-se e esconder o rosto!

Agora você tem que respirar fundo e continuar. Tudo é de mentira nesse seu mundinho e você não vai levar nada dele. Você já notou isto, não?

Pelo menos sua acidez não é fruto de afetação. De onde vem esta sua vontade de quebrar? De pegar as coisas entre os dentes e triturar em uma só mordida? Pisar nos cacos e procurar mais um alvo fácil? Você se morde. Quando? Quando não tem o que morder? Quando se recolhe em sua toca do vento frio e tudo lá fora parece ameaçador. Mais ameaçador do que seus caninos, que seu pulso firme.

Tudo está maior lá fora. Saia da boite e vá ver. Existe um mundo lá fora. E um dia a noite vai acabar. E quando acabar, você vai querer estar nela ainda? Acho que não...

quarta-feira, julho 27, 2005

Quem conta um conto... não tem competência (e nem culhão) para escrever um romance!

Cornutto Contenti

O carcamano estava já berrando lá na sala. Havia chegado com Gérson, irmão de Sirlene. Eu já o vi uma vez. Aquele jeitão bonachão, a cara sempre vermelha como a careca, a barba ruiva, os olhos brilhantes e o jeito estabanado de falar. Falava de signos, horóscopo e essas coisas. Perguntou meu signo. Eu não sabia. Perguntou minha data de nascimento e falou que eu era “de escorpião”. Naquele dia na casa de Gérson eu já havia ido muito com a cara do tipo espalhafatoso. Tinha aquela simpatia perene que depois de alguns segundos se torna nauseante e cansativa. Aquela expressão meio boba que alguns gringos têm. Sorridentes e festivos, como se por estarem no Brasil a qualquer momento uma mulata com paetês fosse colocar um copo de caipirinha em sua mão e sentar no seu colo.

Sirlene não era mulata. Pelo contrário, era loira dos olhos verdes. Tinha uma corzinha de sol, mas estava bem longe de fazer parte das garotas do Sargentelli. Talvez pudesse ser uma chacrete: tinha as pernas e o quadril muito bem desenhados e rijos, a cintura bem delineada e os seios a esta altura já não importavam muito, eram satisfatórios. Era um casal contrastante. Mesmo falando italiano, a voz de Sirlene era discreta e calma. Seus gestos eram encobertos por uma certa sutileza. Ela começou a me olhar com certa distinção, muito discretamente como tudo que fazia. Me olhava em rápidas olhadas enquanto o namorado falava efusivamente com os outros sentados no sofá. Vez ou outra ele se derretia em um romantismo por demais explícito. “Mia bella donna”, “Enamoratta piu bella” e a abraçava e a beijava fortemente. Suas bochechas vermelhas estufavam e ele parecia mais soprar o rosto de Sirlene que beija-la. Ela soltava da boca carnuda um sorriso amarelo e seus olhos pareciam o de alguém que se sufocava entre aqueles braços gordos e vermelhos.

A uma certa altura, Giuseppe me descobriu outra vez na mesa. Começou a fazer brincadeiras estúpidas e infantis e a me chamar de “Il Scorpio”. A esta altura quem começava a ficar vermelha era Sirlene. Desta vez ela me olhava menos discretamente e com um certo pedido de desculpas pelo namorado. Era um pentelho o italiano.

Encontrei Sirlene por um acaso em um restaurante. Estava sozinha e vestida de branco. Foi daí que vi que era médica. Cumprimentei-a e ela timidamente convidou-me para que eu sentasse. Conversamos e ela me contou que conhecera Giuseppe quando estava fazendo especialização em Roma. Ele era de Nápoles. Quando ela voltou para o Brasil, Giuseppe apareceu em São Paulo e comprou um apartamento próximo ao Bexiga. Desde então os dois estavam oficialmente juntos.

Do restaurante acabamos vindo para o meu apartamento, nos Jardins. Sirlene foi inicialmente bastante recatada, mas foi se rendendo pouco a pouco. Parecia que eu exercia sobre ele o fascínio que nos contamina quando estamos à no parapeito da janela de um prédio muito alto. Sabemos que não é a queda que mata, mas sim o impacto quando se chega ao chão.

A coisa se seguiu desde então. Foi apenas depois que passamos aquela barreira que separa um caso de um amante que notei que o que Sirlene tinha de beleza, elegância, sorriso e corpo ela tinha de “nóia”. Depois que nos amávamos, Sirlene deitava a cabeça sobre meu peito e começava a entoar seu mantra neurótico: “Eu não deveria estar fazendo isto!”, “Ele é tão bom para mim!”, “E se ele descobre?”, “Eu não sei se conto para ele!”. Eu fumava e esperava que logo ela fosse pular fora, não queria acabar com o que havia entre nós. “Sabia que cigarro mata?”, ela sempre me falava.

Agora ele estava lá, junto com Gérson e Sirlene na minha sala. Resolvi ficar no quarto. Deve constar em algum manual de etiqueta que não é de bom tom receber uma visita súbita enrolado em um lençol, principalmente quando se está tendo um caso com a mulher do inconveniente convidado. Deve ter sido muito fácil ele ter entrado no apartamento. Afinal, a fechadura da porta da frente era com certeza uma das últimas coisas que eu pensava quando estava com Sirlene.

“Ele vai me ouvir!” - Sirlene correu para lá vestida apenas com uma camiseta minha que lhe cabia como uma camisola. Mal ela sabe que somente os mais cafajestes têm vocação para “cornutto contenti”. Homens que se impõe sobre suas mulheres e que ao tomarem noção da traição destas recolhem-se em sua vergonha e falta de brio. O italiano berrava na sala. “Putana! Putana! Putana!”.

Eu já esperava o pior quando um tiro confirmou minhas expectativas. Gérson gritou histérico. “Assassino! Assassino! Assassino!”. Mais um tiro e tudo que ouço é o choro indefeso e contido de Gérson, os passos pesados de Giuseppe e o barulho das portas do meu apartamento sendo abertas. O italiano abre violentamente as portas, que batem na parede fazendo cada uma um estrondo que me soa mais como um sino em contagem regressiva.

A porta do quarto é aberta violentamente e como um relâmpago surge a figura de Giuseppe. Ele está mais vermelho que o normal e a arma está firmemente segura em suas mãos gordas e de uma maciez risível. Giuseppe aponta a arma para mim e começa a tremer. Entre seus dentes, sibila algo em italiano e começa a berrar. “Ricardão! Ricardão!”. Ele grita com raiva. Seguro um riso inconveniente. “Ricardão!”. Giuseppe grita agora mais prolongadamente e mais alto e seu dedo finalmente aperta o gatilho da arma que dispara quatro tiros em seqüência sobre meu peito.

Meu corpo antes sentado na cama, cai sobre o colchão tingido de vermelho. Só então eu solto o sorriso de desprezo que prendera desde aquele maldito jantar.

terça-feira, julho 19, 2005

Escarrando no prato...

Jornalista: pessoa incompetente

Assessor de imprensa: um jornalista que deu xabu.

sábado, julho 02, 2005

KNOW YOUR RIGHTS!

Caros atendentes do serviço de atendimento ao consumidor,

através deste e-mail, eu gostaria de cumprir meu papel como consumidor (além do de comprar) e sugerir-lhes um produto que satisfaria em muito uma considerável fatia do mercado de consumidores de iogurte. Na verdade não é uma sugestão de produto, mas sim uma sugestão para uma nova linha de um certo produto. Trata-se do Danoninho.

O Danoninho é o queijo petit-suisse mais famoso do mercado. Assim como certos produtos conseguem imprimir um poder de marca tamanho, o nome “Danoninho” por si só denomina (na maioria da população) qualquer tipo de queijo petit-suisse. Não duvidaria que fosse um dos produtos mais fabricados e mais vendidos pela Danone.

Apesar destes pontos, uma coisa me é muito estranha: por que ainda não criaram um Danoninho Diet?

A resposta certamente seria porque se trata de um produto que possui um papel de alimento energético (provendo lipídios, glicídios, protídios, cálcio, ferro, fósforo e vitamina A) para crianças em uma faixa etária dos 2 anos até por volta dos 6 ou 7 anos. Certamente, nestas condições, uma versão diet do produto seria um erro catastrófico. Por que crianças em uma idade de consumo calórico tão grande precisariam de uma sobremesa diet?

Acontece que hoje a infância é muito diferente de 20 ou 15 anos atrás. As crianças hoje estão muito mais sedentárias. A diversão meio que se desvinculou do esforço físico graças às novas tecnologias de entretenimento. Além disso, a maioria das crianças vive em centros urbanos onde um tipo de diversão que possui um consumo calórico mais considerável é uma forma de suicídio (quando praticada na rua) ou de tortura para com os pais (quando praticada no apartamento). Apesar do baixo consumo calórico, estas crianças continuam a consumir quase o mesmo tanto de calorias (ou mais) que as crianças de 15 ou 20 anos atrás. O resultado disso é um número de crianças obesas muito maior que 15 ou 20 anos atrás.

Mas não é apenas o aumento no índice de crianças obesas nos últimos anos que justificaria a criação de uma versão diet para o Danoninho. Outro fenômeno que deve ser notado é a maturidade tardia que é tão presente hoje nos filhos das classes A e B. Pessoas extremamente dependentes em todos os aspectos, com comportamentos juvenis e até infantilizadas. Não é de se estranhar hoje um homem nos seus 30 anos, vivendo com os pais como um adolescente e sem possuir um trabalho de fato produtivo ou que lhe provenha uma capacidade de se sustentar. Estas pessoas geralmente são consumidoras de produtos voltados para o público infantil como alguma forma de exacerbação desta imaturidade temporã. Não estranhe se, caso for a uma típica república estudantil, na geladeira tenha ao menos duas bandejas de Danoninho (ou algum congênere da concorrência).

Este parece um dado jogado ao léu e sem nenhuma relevância para uma justificativa de se criar um Danoninho Diet. Acontece que pessoas de 20, 25 ou 30 anos não possuem o metabolismo de uma criança em fase de crescimento. Consumindo produtos como Danoninho e adicionando a este batatas fritas, biscoitos recheados, pastas de amendoim, doces confeitados, achocolatados em caixinha e outras “guloseimas” temos um índice de calorias ingeridas muito grande. Adicione a estas calorias o consumo de cerveja, carne vermelha, gordura animal, refrigerante e outros. Temos uma cifra de calorias ingeridas muito grande. O uso de produtos diet (ou light) muitas vezes se torna necessário para estas pessoas.

È na convergência destes dois fenômenos que está a criação de um Danoninho Diet. A empresa Danone com certeza deve ter um departamento de marketing que poderia analisar melhor esta proposta do que eu. Mas de qualquer forma devo me sentir grato por essa abertura de canal para sugestões.

Obrigado pela atenção (eu já disse isso no parágrafo acima... acho que estou meu tornando redundante e prolixo),

quarta-feira, junho 15, 2005

Agora eu vou reformular as coisas para bancar o descolado...

Que personagem de que livro você gostaria de ser?
Mandrake, personagem de "A Grande Arte" e de mais uma penca de livros e contos de Rubem Fonseca.

Sua "cena" favorita de um livro?
Cem Anos de Solidão. Quando Aureliano Buendia está para ser fuzilado e seu irmão José Arcadio invade o pátio do cemitério com uma espingarda.

Com qual personagem de livro você mais se identificou até hoje?Bertrand Marx de "Admirável Mundo Novo"

Em que momento de um livro você esteve prestes a joga-lo na parede e gritar "Nãããão!"?
Quando comecei a ler "Máquina de Pinball" de Clarah Averbuck (mas eu estava foleando em uma livraria).

Qual o último livro que adicionou algo à sua vida prática?
"A queda que as mulheres tem para os tolos", Machado de Assis

Nota: acabo de perceber que leio realmente muito pouco!
Só para não me taxarem de relapso...

...eu copiei esta corrente do e-Pístola (porque agora que eu faço jornalismo vou viver de chupar idéia dos outros!)

Não podendo sair do Fahrenheit 451, que livro quererias ser?
"A Grande Arte" do Rubem Fonseca. For sure, sire!

Já alguma vez ficaste perturbado por um personagem de ficção?
De literatura decente até que não... mas o Frodo do "Senhor dos Anéis", putaquilamerda! Aquele nanico bundão me deixou irritado!

O último livro que compraste?
"Os meios de comunicação como extensão do homem", Marshall Mc'luhan

Qual o último livro que leste?
Screw Jack, Hunter S. Thompson

Que livro estás a ler?
"Zero à esquerda", o único livro da Coleção Baderna que vale a pena.

Que livros (5) levarias para uma ilha deserta?
"64 contos reunidos de Rubem Fonseca", "As Viagens de Gulliver", "A grande caçada aos tubarões", "Cão come cão" e "Como fazer amigos e influenciar pessoas"

A quem vais passar este testemunho (6 pessoas) e porquê?
Às seis pessoas que entram neste blog ainda... hehehe! O motivo pode ser gratidão... hehehe!

domingo, janeiro 09, 2005

A pergunta que não quer calar...

E se John Lennon não tivesse morrido... teríamos um Caetano Veloso em ordem global?