terça-feira, fevereiro 23, 2010

"Oh, ficção! Livrai-me do Teorema de Fermat!"

Conhecem aquela do físico que não comia chocolate porque de meio amargo já bastava sua vida?


Imagine Superman voando pelos céus de Metrópolis. À esquerda de sua rota de vôo, Louis Lane cai em queda livre. O Homem de Aço caí aos prantos. “NÃÃÃÃÃO! Maldita física newtoniana que não permite que eu faça uma curva agora sem ter alguma força externa para alterar a inércia do meu movimento!”.

A cena pode parecer estapafúrdia. Mas é assim que seria a ficção se obedecesse aos caprichos das leis da física. Enquanto a Física estuda o tangível, a ficção lança mão do imaginário para criar universos.

Mas para o físico Sidney Perkowitz, os filmes de Hollywood deveriam limitar-se a desobedecer somente 1 (uma) lei da física em toda sua trama e fazê-lo somente de uma maneira coerente e justificada na trama. O professor é membro da Science and Entertainment Exchange, um órgão ligado à Academia Americana de Ciências.

Uma experiência que Perkowitz cita como um filme aos moldes que propõem é “The Core” (entitulado no Brasil como “O Núcleo - Missão ao Centro da Terra”). Nesse filme, um geofísico descobre que um experimento que falhou faz com que movimento de rotação do núcleo da Terra pare. No filme, isto traz conseqüências catastróficas em todo o globo e os heróis do filme têm a missão de chegarem ao centro da Terra para reativar a rotação.

O roteiro de “The Core” é muito interessante para uma questão de Olimpíada de Ciência. Como cinema, “The Core” possui diálogos primários em função da explicação de cada minúcia científica apresentada. Perkowitz assume que a aceitação do público deste tipo de ficção científica é um problema de Hollywood. Ele ainda acredita que o petardo do “entretenimento científico”, The Core, não deu lucro nas salas porque as pessoas entendem ciência como coisa de bitolado” (na verdade esta é a tradução mais sensata para “out to lunch”).

O físico está sendo meramente mesquinho despindo a ficção científica de sua matéria-prima: a imaginação. Sua proposta não ajudará na pesquisa de partículas quânticas ou na resolução da hipótese de Riemman. O que o professor está fazendo é exatamente como deslizar um tijolo em uma rampa de madeira assumindo a ausência de atrito e adotando a CNTP (25ºC de temperatura e 1 atm de pressão). Perkowitz crê que calando a explosão da Estrela da Morte as pessoas irão se interessar por ciência, quando isso não apresenta nenhuma relação causal. Ele não conta que as pessoas anseiem pelo surround e sub-graves que as fazem crer que aquilo existe muito mais que os méson-pi ou neutrinos que são estudados nos grandes centros de pesquisa.

Perkowitz está ainda, de maneira estapafurdiamente inovadora, dando uma nova dimensão ao fetiche do real que tem estado tão presente no entretenimento nos últimos anos. Vivemos uma falta de abstração tamanha que reality shows são criados às pencas com uma pá de variáveis. Não é de se estranhar que muitos façam relações desses programas com experimentos com ratos. Os conceitos de reality shows são quase como algoritmos de programação. Molda-se o ambiente, fixa-se objetivos e as variáveis são inseridas (no caso, os participantes). O auge da fruição cultural da massa atualmente é quando dois ex-anônimos forçosamente reais em frente as câmera fazem sexo, a verdade absoluta de uma sociedade carente e sem imaginação.

A ficção científica são as fábulas e contos de fada de nossa era. Nasceram com H.G. Wells e Julio Verne e ao longo do século XX foram se consolidando com nomes de peso como George Orwell e Aldous Huxley até se popularizarem com Philip K. Dick e William Gibson. Uma coisa a se notar é que não é o fantástico que se faz cerne nas histórias, mas sim os conflitos e questões que afligem os personagens. Um mundo extraordinário é um mundo que nos leva a embates extraordinários seja dentro da própria narrativa ou desta com o leitor. É sobre isso que é ficção científica e não sobre ciência. Se é para se divertir com física, que coloquem piadinhas em forma de questões nos livros da coleção “Fundamentos da Física”. “Um padre de massa m voa suspenso por balões de volume v e é submetido a um vento de velocidade x...”.

domingo, fevereiro 07, 2010

Quando éramos losers
Houve um tempo em que o cuecão era a lei e um homem tinha que saber tirar chiclete do cabelo

Uma cena da minha pré-adolescência ficou muito bem gravada na minha memória. Foi numa manhã antes da aula, por volta das sete. Eu, então com uns 13 ou 14 anos, entrei em um dos botecos que rodeavam o Colégio Objetivo de Goiânia. Comprei um chiclete dos Cavaleiros do Zodíaco, coloquei uma ficha na jukebox para ouvir Raimundos e fui jogar Street Fighter no fliperama.

Nisso, uma colega de colégio encostou de lado na máquina. Ela quase não falava comigo e sempre estava de nariz empinado. Usava uma blusa do Hard Rock Café, como todas as outras que já tinham ido para a Disney. Com um olhar forçosamente reprovador fez um “tsc, tsc, tsc” e me perguntou “quando você vai crescer?”. Para terminar seu bullying-happening colocou um cigarro Free Light (também conhecido como “ar sabor cigarro”) na boca e deu uma tragada com os olhos fechados. Subitamente começou a tossir como uma velha asmática me olhando com raiva como se aquilo tivesse sido culpa minha.

Houve um tempo em que ser adolescente era isso: era ser zoado. Não era algo que “agredia a auto-estima”. Era apenas apontar a cara do pentelho mais próximo e soltar um sonoro “DAHR”. Estendíamos o indicador e o polegar em L na testa mostrando a língua ou com aquela cara de indiferença juvenil. A própria zoação por si só era uma idiotice sem tamanho. A imbecilidade se retro alimentava de hormônios, frustrações e cenas vergonhosas.

Imagino um moleque repreendido na escola por ter apelidado um “coleguinha” (adoro quando tratam crianças pelo diminutivo, psicologia xuxesca pura). Penso no quanto esses pestes podem ser mais criativos. “Pirulito”, “biloquê”, “caixa d’água”, “Sputnik”, “maçã do amor”. Quero dizer, “cabeção” pode ser um trunfo em termos de agressão, mas não tem a sofisticação de “ele não passa piolho porque a gravidade da cabeça dele não deixa”.

Quando leio certas publicações e textos que falam em “auto-estima” imagino um mundo acolchoado e de cantos redondos. Uma utopia asséptica onde ninguém se machuca ou se sente mal. Para quê?

Eu acredito que amadurecer é saber lidar com críticas. E não me venham falar em crítica construtiva. Isso é coisa de gente de sorriso bobo e voz mole, o tipo de gente que fala com qualquer um como se falasse com uma criança. Se uma pessoa não encara a afronta do outro, como ela se reconhece ou até se impõe?

Houve uma época em que nós tínhamos um mínimo de atrito na adolescência. Esta insistência em um mundo sem estes atritos só cria pessoas ainda mais sujeitas a frustrações e que não sabem lidar com divergências ou só lidam em termos de cortesia. Cortesia pode ser uma das melhores virtudes do homem, mas a corda rói eventualmente. E daí aparecem os pitis. Daí as pessoas se chamam de “intensas”, “sensíveis” ou “condoídos”, quando deveriam ser chamadas de “imaturas”.

As pessoas crescem. Aprendem que o mundo é mau e todo mundo morre no final. É uma lição muito mais tenra do que a maioria das pessoas imagina. O Poetinha já falava que “é melhor viver do que ser feliz”. Quando Vinicius de Moraes estava nos Estados Unidos traduzindo sua obra para o mercado fonográfico, um americano observou: “It’s better live AND be happy”. Não entendeu. Gringo burro!