domingo, junho 21, 2009

Colocando os pingos em “pingüim”

O termo kitsch é uma coisa meio perigosa de se conceituar. Bastante conhecido e comentado, o kitsch é uma estética a grosso modo brega. A forma mais fácil de se entender o que é kitsch é só imaginar a casa de um cabelereiro suburbano. Imagine a quantidade de lembrancinhas trazidas pelas suas clientes de Guarapari a Las Vegas. Imagine agora a sala de estar das clientes dele. Junte tudo em uma sala rosa com o teto forrado de anjinhos pintados de dourado.

Não sei quando o termo nasceu, mas sempre imagino sua concepção. Acho que foi quando algum frankfurtiano exilado nos EUA dos anos 40 jantava na casa de seu orientando mais burro. Diabético, o emérito acadêmico se via obrigado a tomar uma limonada sem açúcar. Conversando com o pai de seu aluno, o teórico já não agüentava ouvir “mas vocês alemães isso. vocês alemães aquilo”. Enquanto isso a mãe do pupilo preparava um assado de porco. Judeu e temperamental, o acadêmico acabou surtando conceitualmente e criou o “kitsch”.

Essa semana fui posto pela primeira vez frente a uma definição acadêmica de kitsch. O kitsch possui como características a exuberância, a pretensão ao belo e a inadequação. Concordei em gênero, número e grau. No entanto, uma dúvida surgiu na minha cabeça.

O símbolo do kitsch é o pingüim de geladeira. Desde quando temos um primeiro contato com o termo aceitamos isso como uma fórmula de Física. Pingüim em cima da geladeira igual a kitsch para qualquer massa do pingüim, consumo de energia da geladeira ou coeficiente de elasticidade da dona da geladeira.

Ora, o pingüim de geladeira não é uma coisa exuberante. Um pavão de geladeira seria bem exuberante. A ave de porcelana também não parece ter maiores pretensões estéticas. Eternamente vestido em black-tie, o pingüim de geladeira é um artefato fadado à elegância. O que há de inadequado em um pingüim em cima da geladeira?

“Ora, o lugar do pingüim não é em cima da geladeira, mas dentro dela!”. Responde a razão. Apenas um esquimó coloca pingüins DENTRO da geladeira. Mesmo assim só antes de guardá-los para mais tarde fazer "pingüim à passarinho". Aliás, devido às baixíssimas temperaturas dos pólos eu duvido que um esquimó precise colocar um pingüim dentro da geladeira. Seguindo esta lógica, kitsch é colocar o pingüim dentro da geladeira. Não é só kitsch como meio estúpido. Um desperdício de energia que acelera o aquecimento global, degradando o habitat dessas aves.

Então Duchamp colocava o que ele quisesse em um museu para chamar de arte e quebrar os paradigmas da época. Mas a dona Maria americana (Mrs Mary) não pode colocar o pobre pingüim em cima da geladeira. “Tá fora do lugar!”. Então se eu roubar um Pollock e coloca-lo embaixo da minha cama ele vira kitsch? Se eu virar um ladrão à la Thomas Crowe e colocar as obras-primas da arte contemporânea embaixo da minha cama, isso faz de mim um gênio da arte ou do crime? (ou do mal? Bwa-hahahahaha!)

O que os teóricos não percebem são as leituras e intenções subliminares no posicionamento do pingüim em cima da geladeira. Ao contrário da maioria das aves, o macho dos pingüins é responsável por chocar os ovos da espécie. Este era o tipo de coisa que as donas de casa americanas eram expostas em almanaques de curiosidade.

E o que parecia ser apenas conhecimento banal para puro entretenimento ou artigo de citação em jantares com amigos na verdade foi o primeiro contato da dona-de-casa americana ("housewife") com uma perspectiva feminista. No final das contas, o pingüim em cima da geladeira simboliza o gérmen do feminismo. A mulher coloca na geladeira (berço da cerveja, o néctar-simbolo da masculinidade) o macho que toma conta das crianças. Quando chegava em casa e abria a geladeira, o homem não se dava conta do protesto velado da mulher. Bem como ela também. É tudo uma questão de inconsciente coletivo.

É de se estranhar tudo quando as coisas se tornam explícitas, não?