sexta-feira, fevereiro 27, 2004

Cinema Brasileiro: ame-o ou deixe-o

Daqui há alguns dias o mercado de fogos de artifício irão passar por um momento de franca elevação. A razão disso: o filme “Cidade de Deus”, filme brasileiro que teve até hoje o maior número de indicações da Academia, vai disputar o Oscar. Já podemos ver grupos de amigos sentados à frente da TV, com trombetas, buzinas de spray, pom-pons e tudo que uma seleção teria direito. O Brasil se torna por um dia a pátria de claquetes, todo brasileiro é um diretor.

O filme “Cidade de Deus” é certamente um dos melhores filmes brasileiros já feitos. Eu arriscaria colocá-lo no patamar de “Macunaíma”, “Eles não usam black-tie”, “Limite” e outros grandes clássicos do cinema brasileiro. “Cidade de Deus” é um filme gostoso de assistir do ponto de vista narrativo e visual. Fruto dessa época atual do cinema brasileiro, onde a tecnologia se tornou um pouco mais acessível do que naquele tempo da “sonoplastia de caixa de papelão”, “Cidade de Deus” possui uma fotografia belíssima e um trilha sonora extremamente bem montada.

É muito bom saber que meus compatriotas concordam comigo que “Cidade de Deus” é um bom filme e que merece ganhar o Oscar por isso! Pelo menos seria...

Um grande problema que eu vejo no Cinema Brasileiro é o seu público. Para uma boa parte do público de cinema nacional não existe um filme bom ou ruim, existe um filme brasileiro ou estrangeiro. Eu vejo que a peça cinematográfica perde em parte seu valor artístico em detrimento de sua origem. “Nossa! Como você não gostou de tal filme? É um filme brasileiro!”... E daí? Isso não é justificativa...

Infelizmente quem tem mais a perder com isso é o próprio cinema brasileiro. Neste frenesi de “Viva o Cinema Brasileiro!” (“Cinema Brasileiro” com iniciais maiúsculas, como um nome próprio) muitas produções de baixíssima qualidade vêm sido aplaudidas pelo grande público e por um público dito “conceituado”. Um exemplo disso foi “Dom”, um filme medíocre com atores globais e trilha sonora com ícones das rádios FM. O grande mérito foi ter ambientado a trama do clássico “Dom Casmurro” em um cenário atual. Acontece que “Dom Casmurro” é um livro atemporal e universal, grande coisa ter sido ambientado no Brasil de 2003 ou na Inglaterra da Era Vitoriana. O filme “Romeu + Julieta”, de 1996, tinha essa mesma proposta e trazia no elenco Leonardo di Caprio sofreu críticas por ter dado ao clássico de Shakespeare uma roupagem extremamente comercial e apelativa. Por que não foram feitas as mesmas críticas a “Dom”? Atualmente está em cartaz o filme “A cartomante”, baseado no conto homônimo de Machado de Assis e estrelado por várias estrelas globais dentre elas a “gostosona da vez” Débora Secco. O que esperar da crítica?

Há algum tempo atrás eu havia dito em um texto que tínhamos muito o que aprender com o cinema argentino. O cinema dos hermanitos explora com muita riqueza o universo da classe média, a classe mais psicologicamente castigada. Talvez foi seguindo uma linha de pensamento parecida que Luís Fernando (conceituado diretor de novelas, peças e miniséries) gravou “Sexo, Amor e Traição”. Quem já viu o trailer, o cartaz e o próprio nome não precisa de se esforçar muito para ver que trata-se de uma xerox fiel do argentino “Sexo, Pudor e Lágrimas”. Mais uma vez a análise do filme pende muito mais para o patriotismo do que para a arte.

Infelizmente perdeu-se o bom senso da análise de um filme brasileiro pelo filme e não pelo brasileiro. O bom senso ultrapassa a barreira do previsível. Basta lembrarmos do Oscar de 1999 quando o país gritava marmelada porque “Central do Brasil” perdeu o Oscar para “A vida é bela”. Begnini já era figurinha carimbada da comédia italiana, daquele país de onde saiu Mastroiani, Fellini, de Sicca dentre outros. O filme “A vida é bela” era dotado de uma atmosfera extremamente sensível e ambientado em uma época negra que só foi acabada graças aos “grandes heróis do mundo livre”. De fato, eu não sei como um filme sobre uma mulher rabugenta e um moleque entojado que cruzam o mais miserável sertão pode perder o Oscar (prêmio que tem entre seus recordistas “Titanic”) para “A vida é bela”...

Não tenho nada contra o cinema brasileiro, não mesmo! Só acho que esta postura cultural que prima pelo nacionalismo é tão estúpida e cega quanto “noventa milhões em ação... pra frente Brasil, do meu coração!”. Acho que o público brasileiro tem que prestigiar os filmes bons, aprender a aplaudir e aprender a criticar. É assim que podemos ajudar a melhorar o cinema brasileiro...

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