domingo, fevereiro 15, 2004

“É porque Narciso acha feio o que não é espelho” ou A pretensão na música

Pretensão geralmente é algo visto com uma certa repulsa, coisa de gente arrogante e ególatra. Quando falamos de alguém pretensioso logo nos vem à cabeça a imagem de um sujeito extremamente fechado em si e que se vê como o parâmetro ideal de medida das coisas. Alguém que tem como hobbie se vangloriar de tudo o que faz e depreciar qualquer coisa que não se encaixe no seu próprio estilema (afinal ele deve se achar bom o bastante a ponto de ter um próprio). Descordar de suas gloriosas afirmações é um ato de insanidade, afinal em cada palavra que sai de sua boca está um degrau da escada para a perfeição...

Mas falar de pretensão é algo que, como muitos outros assuntos, não pode tender ao maniqueísmo. Foi graças a muitos pretensiosos de plantão que evoluímos tanto em muitas áreas do pensamento humano. Suas obras não devem ser depreciadas em função de sua pretensão, de forma alguma.

Lou Reed é um grande exemplo da “boa” pretensão. Quem já leu “Mate-me por favor” sabe das histórias de chiliques e conflitos de egos com John Cale, Nico e até com Andy Warhol. Apesar de tudo isso, Lou Reed continua sendo o autor de clássicos do rock como “Heroin”, “Sweet jane” e “Waiting for the man”. Por que sua pretensão não é tão reprovável? Porque sua maior pretensão, e a de outros, é algo que está em função de sua música, está no “querer ser o melhor naquilo que faz”. Seu ego inflado a ponto de exigir frutas e verduras devidamente lavados com água mineral é fruto dessa pretensão... mas isso é outro caso...

Se por um lado temos essa figura do “artista-obstinado-arrogante”, temos um outro tipo de figura pretensiosa que é perfeitamente ilustrado por um dos grandes nomes do rock nacional: Renato Russo. O “poeta urbano”, como gostam de ufanar os brasilienses, foi uma figura (ao meu ver) extremamente pretensiosa. Suas letras são demasiadamente floreadas para alguém que batia no peito ter sido influenciado pelo punk inglês. Suas músicas não passam de versões rebuscadas da maioria dos problemas banais de um adolescente entediado (e pretensioso). Renato Russo, como aquele colega de colégio que fazia questão de demonstrar a todos o tamanho do seu intelecto (tem algo freudiano nisso?), compôs letras com nomes de livros como “A montanha mágica” e “Flores do mal”. Por que acho Renato Russo digno da minha vociferação? Porque ele, como outros, botou sua produção em função de demonstrar o quanto ele era genial e culto. Renato Russo teve como plataforma de criação o seu próprio ego, isso é no mínimo boçal.

Pessoas pretensiosas não são pessoas obrigatoriamente patéticas e dignas de escárnio, tudo depende de como se dá a sua pretensão. Na maioria das vezes aliás, é um pouco de pretensão que dá a pessoa ânimo para criar coisas interessantes. Não foi através unicamente da pretensão que Lou Reed se tornou um ícone do rock, ele tinha talento. No caso de Renato Russo, sua pretensão é tamanha que se confunde com o talento,o que nos leva a nos perguntar até onde vai seu talento e a partir de onde entra a sua pretensão? Para essa resposta ser respondida... só com um médium com conhecimentos básicos de psicanálise...

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