domingo, outubro 09, 2005

Como montar a pior locadora do mundo

Montar a pior locadora do mundo parece ser algo fácil. Basta você pensar em fazer tudo ao contrário de se montar a “melhor locadora do mundo” e você terá o resultado desejado. Mas a coisa não é tão simples assim. É preciso muito mais que um raciocínio lógico para se arquitetar a masmorra de cinéfilos perfeita.

Bem, e o que é essencial em uma locadora? Se você pensar bem uma locadora se resume a duas coisas: ao acervo e ao atendente. Se antes do Big Bang houvesse um monte de fitas VHS e DVD’s devidamente catalogados e organizados por um garoto que pairava no nada por entre os filmes então lá havia uma locadora. Logo você não precisará se preocupar em outros elementos em uma locadora além destes dois. É claro que no caso da pior locadora do mundo sempre haverá um lugar para uma maquina de Coca-cola que sempre engole o dinheiro do cliente ou lhe dá o refrigerante errado ou para prateleiras calculadas para que tenha que se ficar ajoelhado para procurar o filme desejado. Mas os dois elementos nos quais nos focaremos para fazer o pior possível serão o acervo e o atendente.

Inicialmente trataremos do acervo, que será em sua enorme maioria composto pelas fitas VHS mais mastigadas possíveis. Os poucos DVD’s da pior locadora do mundo são todos de zonas incompatíveis, preferencialmente do Sudeste Asiático, do Oriente Médio ou da África Setentrional (o que nos permite ainda termos nenhum filme em DVD com dublagem ou legenda em português). A disposição das fitas nas prateleiras será completamente aleatória, no entanto cada seção da locadora terá seu gênero escrito em letras garrafais. Comédias românticas serão encontradas nas seções de “Ação”, “Policial” e “Terror”. Dramas e filmes da Meryl Streep em geral poderão ser achados (ou de preferência não) no lugar de “Aventura” e no “Erótico”. Todos os filmes de Spielberg poderão ser encontrados na seção “Arte” e David Lynch estará na prateleira “Evangélicos” (entre Pasolini e Wes Craven). As únicas seções coerentes da pior locadora do mundo são as de Cinema Brasileiro (menos as pornochanchadas que se encontraram na seção “Infantil”) e de Documentário (composta por gravações caseiras do Globo Repórter).

Os filmes em qualquer locadora se dividem entre os lançamentos e os de catálogo. Na pior locadora do mundo esta divisão também é feita. Os lançamentos são aqueles filmes que você obviamente viu no cinema ou obviamente se negou a ver. Os catálogos são todos baseados no acervo das sessões vespertinas de filmes de emissoras como a TV Record, Bandeirantes e a Rede 21. Caixas vazias de filmes populares e memoráveis serão espalhadas pelas prateleiras com um eterno papelzinho escrito “LOCADO” para que o cliente sempre que possível se frustre.

O atendente da pior locadora do mundo pode ser de dois tipos: a “Anta” ou o “Sabichão”.Primeiramente trataremos sobre o do tipo “anta”. Obviamente se trata de um atendente que possui como principal característica uma sagaz capacidade de sempre fazer a coisa mais estúpida possível sempre que possível. Ele não conhece os diretores e sempre se confunde com o nome dos filmes. Se você pedir ao “Anta” que ele lhe traga “Clube da Luta” ele passará no mínimo quinze minutos andando pela loja e lhe trará “Clube dos Cafajestes”. Você repetirá “Não! Clube da Luta!”. Mais quinze minutos ele voltará com o sorriso de um atendente do Mc’Donalds com algum filme do Dolph Lundgreen com “luta” no nome. Você repete mais uma vez pacientemente “Clube da Luta!”. Meia hora depois o que ele lhe traz: a caixa vazia de “Clube da Luta” com a tirinha de cartolina escrita “LOCADO”.

O “Sabichão” é mais astuto que o “Anta”. Quando você perguntar por “Clube da Luta” ele lhe responderá “Ação” sem tirar os olhos de sua “Bravo!”. Depois de quarenta e cinco minutos de procura você virá até ele e perguntará mais uma vez pelo filme. Com um suspiro incomodado e um andar arrogante ele irá direto para a seção “Drama” e colocará o filme em suas mãos para que você mesmo veja a maldita tirinha escrita “LOCADO”. De volta para sua mesa ele pegará de volta sua revista e continuará a lê-la como um deus que espera as incômodas preces de seus pobres e ignorantes fiéis (também conhecidos como “clientes”). Não importa o filme que você escolher para ver, o “Sabichão” sempre lhe olhará com o desdém de quem já assistiu toda a filmografia de Trufault e do grupo Dziga Vertov. Para ele você é mais um reles espectador. Quando você entrar na onda do “Sabichão” e pegar um filme de algum país sem Pizza Hut ou água encanada ele virará para você e didadicamente lhe advertirá que “Este é um filme meio difícil!”.

Com aquele filme vindo dos confins da África ou de alguma das ex-repúblicas Soviéticas você volta para casa e vai assisti-lo em seu vídeo cassete. Quando termina de assistir pensa que poderia ter sido bem pior. Afinal, a fita poderia não estar tão mastigada.

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