quarta-feira, março 17, 2004

Bizarrices Regionais

As grandes redes abertas de TV talvez sejam o alvo mais fácil na discussão acerca da problemática da massificação na mídia brasileira. Geralmente vistas como arautos da globalização, as redes abertas são apontadas como agentes homogenizadores da opinião pública e da identidade brasileira. A imagem nacional retratada na TV aberta é de um Brasil que geralmente não passa de um grande eixo Rio - São Paulo - Salvador.

O problema parece ser um grande monstro de 7 cabeças, no entanto ele é facilmente resolvido. As redes de TV são obrigadas, por lei, a ceder uma quantidade de horários voltados para uma programação regional. “Glória, glória! Terá espaço para todos. Do Boi Bumba às rodas de chimarrão!”, diriam os amantes das culturas regionais de cada canto do país. Mas o que ocorre é bem diferente do real intuito da lei. A programação regional é recheada geralmente de programas que não passam de imitações grotescas dos mais batidos programas da TV aberta. O que ocorre é que temos novos Ratinhos, Marcias e Leões com inúmeros sotaques.

Quem mora em Goiânia conhece o programa “Altos Papos”. Um programa de “variedades” com uma apresentadora que poderia ilustrar o verbete “emergente” de um dicionário. O programa mais parece um chá das 5 com toda uma aura “nouveau riche”. As variedades tratadas no programa poderiam ser substituídas pela transcrição de um diálogo em qualquer salão de beleza. Em Brasília, pode-se assistir um programa nos mesmos moldes mas com um nome mais inusitado: “Mais que emergente”. O congênere brasiliense ainda conta com o luxo de eventuais externas e entrevistas de rua.

Outro grande filão dos programas regionais são as mesas redondas. O mais impressionante destes programas talvez não seja a capacidade de se opinar tanto sobre esportes tendo-se tantas camadas adiposas, mas sim a capacidade de se opinar tanto sobre tudo baseando-se em conceitos que beiram a ingenuidade. Fala-se não apenas sobre futebol mas também sobre política local, segurança e até questões de ordem social. Se fecharmos os olhos e continuarmos a ouvir o programa poderemos imaginar uma porção de pasteizinhos e alguns copos de cerveja quase vazios.

Mas ainda existem na fauna de programas regionais os famosos “formadores de opinião”. Jornalistas, em sua maioria, que vêm a público para iluminar a ignóbil audiência com suas palavras sensatas e sinceras, dando-lhes noção do que se passa por trás da cortina da política e da economia, mistérios unicamente decifrados por ele graças aos seus inúmeros diplomas nas mais diversas ciências. Suas opiniões são cobertas por um prosaísmo e um pragmatismo que beiram a estupidez, seus textos são de uma demagogia mista a uma pieguice que fazem um populista de carteirinha se sentir ultrajado e seu conhecimento dos fatos tratados são da profundidade de um pires. Uma figura que ilustra bem este caso é o jornalista goiano Rosenwall Ferreira, sujeito quase cômico que fala sobre os mais diversos assuntos como se estivesse em um boteco em um discurso demagogo e marcado por uma forçada informalidade.

São muito comuns nas programações regionais também programas do tipo “mundo cão”. Esses programas são de uma truculência visual tamanha que chegam a infringir direitos humanos. Os apresentadores entrevistam os delinqüentes em meio a chacotas e as mais diversas humilhações inclusive forçar o criminoso a destampar o rosto (o que constitui não só uma violação do seu direito como ser humano como sobre sua imagem). Programas desse tipo apresentam um outro caráter extremamente nocivo: são o retrato de um pensamento retrógrado de que a razão da criminalidade encontra-se em si mesma, justifica silenciosamente a execução sumária e apóia veladamente a pena de morte como solução para o “extermínio da bandidagem”.

O problema da programação regional não está na questão do que vem sido veiculado, mas do que poderia estar sendo. O colunismo social, a crítica futebolística de várzea, o pseudo-jornalismo crítico demagogo e a truculência policial ocupam o espaço que era destinado a uma programação de valor local. No caso da TBC – Cultura em Goiânia esse caso é ainda pior, pois a prestigiada e premiada programação da Fundação Padre Anchieta encontra-se minada com esta espécie de circo de horrores. Muitos programas culturais e informativos são perdidos em nome de uma expressão pseudo-regional. É extremamente estúpido que Goiânia, um lugar em recente (e crescente) expansão do meio independente não possua um programa nos moldes do “Alto-Falante” apresentado na Rede Minas. Em seu lugar, temos uma fauna de apresentadores bizarros e programas bisonhos.

O problema na programação regional é o mesmo que em qualquer meio de comunicação de massa: está relegado à lei de oferta e procura. O patrocinador deseja audiência certa, e não arriscar-se com programas que fujam da lógica do “panis et circenses” televisivo. Se o regional se constituir em uma mistura de emergentes, comentaristas obesos, polemistas de mesa de jantar e justiceiros da classe média... que venha o grande Rio - São Paulo - Salvador . Pelo menos eu vou ter acarajé com chopps...

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