domingo, dezembro 25, 2005

É DO BRASIL!

Levanto de manhã e vou tomar café na padaria. Depois de ter feito meu desjejum vou para o caixa exercer minha obrigação de consumidor quando me deparo com o jornal do dia. Na primeira página havia a chamada do caderno de cultura falando sobre o filme “Dois filhos de Francisco” estar sendo cotado para entrar na disputa de um Oscar.

Fecho os olhos e já posso imaginar. Quais serão as indicações? Só “Filme estrangeiro”? Quero me emocionar vendo Zezé di Camargo e Luciano cantando para David Lynch, Robert Zemecks e Robin Willians. Será para mim como uma pequena revanche pelas horas em que eu permaneci sentado suportando-os.

Quero a Björk entrando no teatro Kodak lado a lado à Zilu Camargo. Uma de cisne e a outra de ema. Quero vê-la nas festividades pedindo para os chefes de cozinha a receitas dos “biscoitinhos” e dos “cocretes”. Quero ver suas fotos na Caras ao lado de Meryl Streep e Meg Ryan.

Quero a voz de Galvão Bueno narrando cada movimento na platéia e quero Rubens Ewald Filho comentando prêmio a prêmio iniciando cada um de seus apontamentos com os dizeres “A regra é clara!”.

E quando o diretor de “Dois filhos de Francisco” subir para receber a estatueta da mão de Garth Brooks (ou do Willie Nelson) e falar que ele é brasileiro e não desiste nunca, quero o locutor global se esgoelando em um grito varonil: “É do Brasil!”. Quero ouvir a vizinhança soltando fogos, todo mundo andando com camisetas do filme no outro dia e a dupla goiana ser tida como ícone cult por estudantes de comunicação social de óculos de aros grossos e estantes com livros finos.

Quero ouvir algum “pretenso sensato” falando do valor da música sertaneja na cultura contemporânea. Quero bolsas de estudos sendo aprovadas para estudos sobre a relação entre a música sertaneja e a pós-modernidade. Quero os eruditos de CA falando da ousadia em se fazer um filme sobre a trajetória de uma dupla sertaneja (principalmente se o “catedrático” ignorar a existência de “Pela longa estrada da vida”, de Nelson Pereira dos Santos).

Quero o elenco, o diretor e a dupla sendo recepcionados por uma multidão na Esplanada. Quero-os em cima de um caminhão dos bombeiros levantando e beijando a estatueta. Quero Lula os condecorando cada um com uma medalha e o ministro rasta discursando falando sobre o do-in antropológico, o feng-shui semiótico e o nissin-miojo social.

Mas mais que tudo, quero todos aqueles que choraram por “Cidade de Deus” com seus fígados supurados pelo ódio e a indignação. Perguntando “Como pode?”, “Como é possível?”. Clamando por todos os diretores da Nouvelle Vague que já morreram. Rezando ao espírito de Pasolini que povoe o sono dos jurados do Oscar com pesadelos de coprofagia e sodomia.

Eu quero que “Dois Filhos de Francisco” ganhe o Oscar. Quero que todos os pretensos cinéfilos aprendam de fato o que é o Oscar. Quero que lembrem que “Forest Gump” ganhou o Oscar de Melhor Filme que deveria ter ido para “Pulp Fiction”, que a Globo reprisa todo final de ano “E o vento levou...” e não “Casablanca” e que Charlie Kaufmann só foi reconhecido com “Brilho eterno de uma mente sem lembrança” (que em termos de roteiro está bem aquém de “Adaptação”).).

Quero que “Dois filhos de Francisco” ganhe o Oscar. Para mim será como um tratamento de choque para que os cinéfilos brasileiros superem esse maldito trauma do Oscar. Sem nenhum heiki-estético...

quarta-feira, dezembro 21, 2005

Passagem non-stop para o inferno

Cena: Meu irmão de 4 anos brincando com a minha guitarra dois dias depois de ter estourado uma corda do instrumento e pintado em meus textos da faculdade!

"Pablo! Larga a minha guitarra!"
"Por que?" (na verdade, "Pu'quê?")
"Porque sim!" (agora eu entendo meus pais!)

O moleque abre o choro e grita:

"Papai Noel vai te bater!"
"Papai Noel morreu!"

segunda-feira, dezembro 05, 2005

Ensaio com pinta prepotente e título enorme para um homem comum (ou mais uma abobrinha com uma referência musical infame no título e dois títulos para dar um clima enigmático)

Um cara passa gritando pela T-9 comemorando o jogo do Goiás. O Corinthians foi campeão mesmo assim! Scheiss! E o saco é que eu invejo o desgraçado. Eu invejo um filho da mãe com resto de galinhada com piqui nos dentes.

Quando foi que começou? Não sei! Acho que foi aos 16? Putz, já tenho mais hora de showzinho que urubu de vôo. Putz, eu podia ter um diploma em engenharia! Eu podia ter barzinho aos domingos e um Gol para lavar no domingo de manhã! Encerar o carro e depois, cheirando como uma concessionária de carros semi-novos (um eufemismo nouveau riche para "usado") entrar com a Rider molhada pela porta da frente e acabar dando a volta na casa para não sujar o tapete comprado no cartão nas Casas Pernambucanas ("Parcelado, mas foi no cartão... não foi de carnezinho!").

Sentar na mesa tubular da cozinha e discutir a escalação do jogo. Falar que "no tempo do Ronca o time era melhor" e que "não se fazem mais carros como antigamente" e que "o primo do meu colega da firma tá investindo na criação de ornintorrincos". E o que tiver errado é culpa do governo.

"Governo? Eu tinha aprendido que a culpa é do sistema! Toda aula um professor de camiseta do Che Guevara falava que a culpa era do sistema!". Ninguém discute comigo. Eu sou formado em engenharia. Eles acham que eu sei de alguma coisa. Eu também acho!

A galinhada demora mais meia hora! Eu sento e tomo mais uma cerveja. Gelada! Abro uma lata de castanha de cajú! Podemos opinar sobre tudo sem receio que haja algum catedrático do assunto por perto. Não há críticos de arte sacra, aficcionados por orquídeas ou catedráticos em ginecologia angelical por perto! Podemos discutir sobre tudo! E nem há hostess, DJ`s, produtores, artistas plásticos ou webdesigners por perto. Nenhum desse povo que não contribui com o PIB do país. É um engenheiro (eu), um médico, um advogado e um corretor de imóveis tomando cerveja e falando à toa.

A galinhada saí! Todo mundo come. Os homens continuam papeado em voz alta enquanto as mulheres contam os pratos que comem (e o que as outras comem também). Depois tem pavê ("É pá vê ou pá cumê?") e cafezinho.

Assisto o jogo em casa porque da última vez que eu fui no "Serra" roubaram o som de um colega da firma. O Goiás ganha. Massa! Encho o lata e passo buzinando e correndo pela T9.

Mas eu estou aqui! O Corinthians ganhou o campeonato! Eu não queria ver o Corinthians ganhando! O meu time já tava fora do páreo para o título e a vaga da Sulamericana já tava garantida! Campeonato de ponto corrido é como cerveja sem álcool. Até no futebol os politicamente corretos se infiltraram. Malditos hippies.

Queria ser capaz de fazer algo realmente muito estúpido! E ser reconhecido pela minha estupidez! E ganhar dinheiro com isso! É isso o que eu queria agora! Sabe qual o nome disso? Isso se chama "realização pessoal". É o que um hippie chato consegue quando ganha milhões de dólares vendendo artesanato em uma praça! É o que um catedrático em comunicação ganha torturando seus alunos! É o que um ex-participante de reality show consegue quando ganha um talk show em um canal decadente.

Eu me contento com pouco! Basta eu ser... sei lá! Tendo cerveja de graça tá massa!