domingo, janeiro 10, 2010

Estão todos Analfabetos!
"Largue esta auto-ajuda e vá ler uma bula de remédio!"

Jornal do local, por volta de meio-dia. Numa passagem ao vivo uma repórter entrevista uma lojista que timidamente fala sobre as vendas da primeira semana de janeiro. Talvez fosse o gaguejado insistente ou o plural eclipsado pelo nervosismo, mas aquela mulher soava como alguém que estava prestes a soltar alguma abobrinha. A passagem se prolonga numa falta óbvia de pauta do jornal aumentando a chance da entrevistada amarrada soltasse alguma pérola. "Desculpa o trocadilho, mas a gente teve que vender para ter lucro, né?".

O que pareceu ser uma implicância pedante se mostrou como uma percepção rápida. Não era a primeira vez que eu havia ouvido aquela expressão - "desculpe o trocadilho" - e também não era a primeira vez que eu via alguém usando erroneamente. Desculpe a moça nervosa, mas as pessoas vendem para ter lucro, o lucro é a razão da venda. Não existe nenhum trocadilho ali. Lembrei-me de uma tagarela numa festa falando que fulano caiu na mesa e pedindo desculpa pelo trocadilho. Na verdade o fulano tinha literalmente caído na mesa, não havia nenhuma trocadilho ali também.

O que me parece é que "desculpe o trocadilho" tornou-se o novo "literalmente", uma expressão que na boca de analfabetos funcionais perde o sentido e ganham um pretenso efeito. Falar mal significa escrever pior ainda e não é petulância minha dizer que a maioria da internet é analfabeta de pai, mãe, parteira e padrinho.

Acredito que seja pecado resumir uma teoria ou uma visão de um autor a uma máxima, mas Heidegger mostra isso bem quando demonstra que a consciência do ser denota domínio de linguagem. Uma pessoa em sua plenitude intelectual e pessoal domina a sua língua melhor que alguém inculto e dependente de pertencimento. A maioria das cacofonias e diversos maus usos das palavras parece ocorrer não só por simples modismos, mas por isso aliado a uma... burrice geral (é eu apelei). "A nível de", "tipo assim", "literalmente", "à priori" (assim craseado) e agora "desculpa o trocadilho". Eu desculpo, burrice (infelizmente) não é pecado.

Carentes de sentido, as pessoas usam penduricalhos em suas falas assim como escrevem em negrito e caixa alta na internet. A fala pseudo-empolada é sempre uma tentativa de encobrir a falta de articulação ou a falta de conhecimento sobre determinado assunto. No caso citado sobre a mulher sendo entrevistada tratava-se apenas do efeito colateral causado por nervosismo. Mas nas rodas de conversa de "Dan Brown a nível de Paulo Coelho" esses estrupícios lingüísticos aparecem aos montes.

Quem fala assim não é gente dita humilde e sem instrução, mas sim gente que vive intelectualmente a base de sub-literatura e pseudociência. Gente pronta para degustar todo tipo de visão pré-fabricada de mundo digerível e didaticamente explicitada. Aquilo que Dwight Mc'Donald (mestre do elitismo cultural) denomina de midcult, a cultura pequeno burguesa com aspirações a profundidades marolísticas feita para um público carente de inteligência.

Esta minha inconformidade só pode parecer (e ser julgado e condenado como) um impeto censor para estas mesmas pessoas. Estas que não sabem ler, não sabem escrever, não sabem falar, não sabem pensar. Vêem o mundo com padrões de "certo" e "errado", "bonito" e "feio", "direita" e "esquerda". Possuem uma visão de mundo mais que daltônica, acromatóptica, só lhes são explícitos tons de cinza e qualquer nuance é razão de estranhamento. E todo estranhamento é validado como erro.